sexta-feira, dezembro 24, 2010

teoria de fim de ano

Mais uma teoria minha, ainda que a humanidade não mereça. Fim de ano é a época em que todo mundo fica mais acentuado no que já é.  Os alegres ficam alegríssimos, os consumistas se esbaldam, os tristes ficam a um passo de cortar os pulsos, os blasées andam solenemente para as comemorações, os deselegantes aproveitam para não agradecer as gentilezas e atenções que receberam ao longo do ano, os desconfiados desconfiam até dos presentes que receberam, os espiritualizados se iluminam e etc.  É sempre assim, o que me leva a crer que é preciso ter paciência para transigir com a característica de cada qual e, como não tenho muita, já é de praxe renovar meus votos de melhorar no ano seguinte.  Mas é que essa hipérbole toda francamente me enche o saco.  Se foi um bom ano? Foi.  Sempre agradeço o que tive de bom, de delicado e especial, do deletério de que me livrei, de ter tido saúde, e trabalho, e coragem, e também das boas surpresas que a vida sempre me traz.  O senão dessa época é essa canícula que assola este pedaço dos trópicos, embora nem isso chegue propriamente a estragar a coisa toda: os cheiros do início do verão são os mesmos desde que, criança, entrava de férias, e é algo tão táctil que facilmente me transporta. Aos que aqui chegam por acaso e para os que volta e meia dão com os costados neste canto da minha quietude, um Natal hiperbolicamente na paz e um ano novo hiperbolicamente bacana!        


p.s. esqueci de dizer que os carentes ficam ainda mais carentes.  E também que todos ficamos meio carentes.

foto de Ernesto Martins

domingo, novembro 14, 2010

será?










será a paz que só tenho em teus braços
o aperto no coração por tua ausência
a alegria em ouvir tua voz
ou apenas saber que estás bem:
será isso o amor?

o olhar fixo num ponto em plena algaravia
a abrigar tua lembrança tão querida
a lágrima e o sorriso:
será isso o amor?

ou será muito mais que isso?


p.s. a foto é minha, um instantâneo da decoração da romântica festa de casamento da Pilar ontem. 

domingo, novembro 07, 2010

pessoas descartáveis, coisas imprescindíveis



Arqueje seu dedo médio e o pressione contra seu polegar, fazendo um círculo.  Depois, solte o dedo médio, o estique bem esticado e estará feito o peteleco.  Sim, é tudo o que é preciso fazer para descartar alguém por quem se perdeu o interesse, a função, cuja presença ficou injustificada na vida.  Estamos em 'tempos líquidos', não será uma descortesia, é o código de conduta em vigor, o que facilita muito a compreensão pelo descartado.  Pode ser que o objeto do peteleco até tenha sido em algum momento uma presença benfazeja, mas agora perdeu o interesse.  Isso, peteleque sem culpa.  Agora pense nas coisas indispensáveis, nos seus must have, naquilo que não dá para passar sem.  É grande a lista? Hum..., é.  Curioso: hoje, sem razão aparente, realizei que pessoas são frequentemente coisificadas e coisas, personificadas.   

p.s. Logo após postar, indagada por uma amiga se descarto amiúde ou se sou descartada, respondi que já descartei, mas por uma causa justificada, porque me vi num relacionamento deletério e/ou maléfico.  Seja como for, jamais descartaria meu pai, ou minha mãe, ou minha irmã, ou meu marido, inobstante dificuldades e pentelhações de toda ordem. 
p.s2. a foto é minha, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro num instantâneo domingo passado.  Nunca havia ficado na galeria, a visão é total e a companhia, animadíssima.  Barishnikov continua uma tremenda presença em cena. 

segunda-feira, novembro 01, 2010

sobre as eleições (e duas ou três coisas que sei)

Quis o destino que num domingo, lá pelos idos de 1980 (ou 1981), eu tenha assistido, junto com meu pai, um programa chamado Canal Livre, comandado pelo jornalista Roberto D'Ávila e veiculado pela TVE.  O entrevistado do dia era um líder sindical que acabara de fundar um partido chamado "dos Trabalhadores", Luiz Inácio da Silva, depois dito Lula.  Assistimos ambos muito impressionados e, ao final, disse para meu pai que perigava de um dia o sindicalista vir a ser Presidente da República, tanta retórica e articulação.  Meu pai, que assistiu vidrado a entrevista, ainda que do entrevistado discordasse de tudo e por tudo, me censurou.  Naquele tempo as eleições diretas não haviam sido retomadas.  Eu acabara de entrar na faculdade. 
Quis também o destino que em 1989 eu tenha votado naquele sindicalista para presidente, assim como nas eleições que àquela sucederam.  Era um partido ideológico, com um discurso claramente ideológico, e com ele me identificava.  Coisa da juventude?  Talvez, mas não estava em má companhia, havia muitos intelectuais de peso no projeto de um partido cuja luta maior era um país socialmente mais justo.  Sempre votei no PT, à exceção de quando a candidata ao governo do Estado do Rio se uniu ao casal Garotinho. 
Quis ainda o destino que passados muitos anos, em 2005, eu fosse convidada para implantar uma empresa pública cuja missão maior era (e é) realizar os estudos de planejamento energético para a formulação de políticas públicas.  Uma empresa nova, concebida por força das lições colhidas com o racionamento de energia de 2001, enxuta e altamente técnica. Estava no setor elétrico há um tempo e, sem querer, me vi envolvida num projeto do partido em quem sempre votei, embora tenha sido chamada por critérios profissionais. Implantamos toda a empresa.  As licitações - do mobiliário, equipamentos de telefonia e informática aos serviços de copa e recepção - tudo foi feito com uma equipe muito pequena.  Elaboramos as normas internas da empresa, promovemos os concursos públicos, tudo, enfim.  O projeto foi pensado pela então Ministra de Minas e Energia Dilma Rousseff  e dele sou testemunha de nunca ter havido favorecimento a quem quer que fosse.  Aliás, havia uma preocupação enorme com a lisura e a transparência das ações.  Não houve nenhuma intercorrência judicial nas tantas licitações que fizemos, rolou tudo redondinho, trabalhamos direitinho, a empresa lá está, concorrendo para que não falte luz aos empresários, aos cidadãos, para que não se repita o fiasco do governo anterior nessa área, evidenciado pelo desabastecimento que todos amargaram e que foi uma vergonha nacional, mesmo que bastante anunciada aos então governantes. 
Quis o destino num de seus atalhos que a então Ministra de Minas e Energia viesse a ser uma auxiliar mais próxima do Presidente da República e que, por seu espírito empreendedor, por sua lealdade a ele nos momentos difíceis tenha sido sua escolhida para sucedê-lo.  Por fim, comandou o destino que Dilma Rousseff tenha sido ontem eleita para Presidente da República.
Ouvi muita coisa nessa campanha.  Para aqueles que insistem em propalar o 'aparelhamento das estatais', dou aqui meu testemunho pessoal de não ter visto nada disso na empresa que ajudei a implantar, como tampouco vejo na que hoje trabalho.  Gostaria que essas informações do dito aparelhamento viessem de forma mais palpável ao público, porque o espírito da corporação nas estatais é muito forte e não raro regimental.  De fato, ouvi muita coisa: que a candidata não tinha biografia, que não teria competência para governar e etc. Quanto à biografia, parece simples, são dados de realidade:  trabalhou na área pública por anos, foi presa nos tempos da ditadura, tem formação superior.  Já sua capacidade de trabalho é sabida e consabida.  É inegável.  Por que tanta maledicência, então? Medo? Preconceito? Ignoro. 
Ouvi cada coisa.  Que o "povão" vota em quem lhe dá uma merreca e que prefere comprar bens de consumo a ter saúde e educação.  Ora, que balela. O "povão" gostou, isso sim, de ser elevado a uma camada da população que consome (ou não estamos num regime capitalista?) e saúde e educação são problemas históricos, vindos de sucessivos governos, que apenas alguns países no mundo resolveram de forma satisfatória e que todos esperamos que aqui sejam um dia também resolvidos.  As instituições e os ideais da República estão preservados, os erros, os malfeitos, investigados,  as autoridades policiais enfim a tanto aparelhadas.  Muitos escândalos, argumentaram.  Para os desmemoriados lembro que a Controladoria Geral da União foi criada pelo governo anterior - uma atitude louvável, diga-se - em razão de eventos do gênero.  Disseram ainda que a máquina administrativa foi usada para o auxílio da candidata do Presidente.  Como isso pode ocorrer não sei, já que há em vigor uma lei eleitoral que proíbe práticas tais.  Nenhum gestor de empresa pública há de querer responder por crime eleitoral.  O que se fez, ninguém aponta concretamente.  Dizem, dizem, dizem.  Disseram, disseram, disseram. Muita coisa, tanta bobagem.  Poderia contraditar muito, mas não vale a pena.  As urnas, finalmente, falaram - e seu resultado ninguém pode contrariar.     
Agora, veremos.  Já sob o sábio alvitre manifestado pela Presidente eleita de que democracia não é ditadura da maioria.

p.s. foto capturada do site do NY Times

sábado, outubro 23, 2010

"joyeux anniversaire maman" - Catherine Deneuve



"joyeux anniversaire maman, tu est le heroïne de mon romans"... a letra é de uma irreverência total.  A bela Catherine, dirigida pelo rapazinho a seu lado nessa música bem suingada para o filme "Belle Maman", é a prova que marron glacé pode combinar com ketchup. Acredite!  

sexta-feira, outubro 22, 2010

refrigério

Meio cansada da campanha à eleição presidencial, da maledicência levianamente instaurada, do blá-blá-blá em geral, de muita confusão, do espelho que descobri ser o Facebook e de perceber que aquilo é bem a materialização da máxima caetana 'Narciso acha feio o que não é espelho', peguei o pior caminho para o trabalho, a meiúca de Botafogo, a Rua Voluntários da Pátria.  Tencionava apenas ir devagar, trafegar bem vagarosamente, a pressa hoje me era tão estranha quanto a beleza é para aquele pedaço quase intransitável da cidade.  Cansada e preguiçosa, descobri, porém, num espasmo de lucidez e com alguma surpresa, que naquele bairro sempre consigo algum conforto.  Não é que me traga ele boas lembranças, ou porque ali  tenha passado uma boa fase da vida, não é por nada particularmente bom.  É, talvez, apenas por ser familiar, antigo, velho conhecido.  A confusão da Rua Voluntários da Pátria, por me ser totalmente previsível, hoje foi meu refrigério.

foto de Ernesto Martins, "Flutuante".  Aí está um refrigério bem mais agradável.

quarta-feira, setembro 29, 2010

duplamente pela metade

Figure a seguinte cena: uma loira linda, alta, esguia, avança num corredor a passos largos empunhando a coleira de um cachorro tão garboso quanto ela.  Detém-se diante de uma porta que é aberta por um homem não muito bonito, mas profundamente atraente.  Ela o traz junto a si ("meu príncipe") e os dois se beijam apaixonadamente.  A loira é Brigitte Bardot e o não-bonitão, Serge Gainsbourg, altamente sedutor. Corta.  Um bando de obesos numa mesa redonda, num evento que parece ser um casamento, têm um diálogo tenso numa língua eslava (russo? polonês?) sobre um show que não irá acontecer e que lhes será a ruína total.  Há uma mulher na cena que espuma de ódio e trinca os dentes e, para não se trincar toda, colocam entre suas mandíbulas um guardanapo.  É curiosa a cena, instigante e, sobretudo, muito engraçada.  Corta.  Aparece um responsável pelo Festival do Rio que diz que houve um problema com o filme (o da cena da loira, sobre a vida de Serge Gainsbourg) e que a sessão em poucos instantes seria retomada.   Minutos depois aparece uma outra mocinha da organização do festival e anuncia: "Desculpem, houve um problema com os rolos dos filmes e nesse momento alguém deve estar assistindo indevidamente ao filme do Serge Gainsbourg... Não temos como retomar a sessão.  O dinheiro será restituído na bilheteria".  Como assim?  Trocaram os rolos dos filmes? "E qual era o outro filme?", pergunta um com absoluto senso de oportunidade um expectador, mas a mocinha não sabe.  A plateia de cinéfilos em festival ficou também sem saber.  O pior: sem saber de nenhum dos filmes.  Só pode ser sacanagem do Gainsbarre...  

p.s. a edição do Globo de hoje informa que os rolos vieram trocados na França.  Gainsbarre, Gainsbarre...

Foto capturada no Google 

sábado, setembro 25, 2010

como uma partitura

as cidades regurgitam tantas coisas e pessoas e excessos
e falta de tempo e bons sentimentos
a pressa, a pressa, sempre a pressa
e afobação e ansiedade

aqui no alto do morro olho o céu barrocamente estrelado
e penso nas bobagens que a cidade guarda
sem perceber
sem se dar minimamente conta

que estrelas são como a partitura de uma sinfonia
inscrita pelos deuses no céu para os homens

que cá embaixo, porém, já não a conseguem escutar.

segunda-feira, setembro 13, 2010

sacrossantas férias...


... e o exemplo capturado neste instântaneo: de nada mais preciso para ser feliz.

Itacaré, sul da Bahia, em foto minha.
Posted by Picasa

sábado, julho 17, 2010

uma teoria para joão carlos

Devo-lhe uma teoria, João Carlos.  Sim, falei que deveria haver uma explicação para a febre que assola as nações em época de copa do mundo e acho que encontrei.  É meio simplório, reconheço.  Equivale a tal febre a um oásis no deserto, a uma ilha no meio do oceano, a um refúgio completo das tribulações do dia-a-dia.  Simples simples.  Ninguém tem que pensar em muita coisa, ou ao menos não muito profundamente; afinal... é época de copa do mundo e o desempenho da seleção é o que verdadeiramente importa.  Nada mais tem muito apelo.  E esse oásis, numa época em que celulares tocam sem parar e tourear uma caixa de entrada de correio eletrônico deixou de ser banal, é um refrigério no meio do sertão nordestino profundo em tempos de seca prolongada.  Esqueça e-mails, ligações, pentelhações de toda ordem.  Esqueça-se.  O que de fato importa é se sua seleção vai ganhar, de quem, por quanto.  O que fico me indagando é se em tempos de globalização essa história de seleção do próprio país ainda faz sentido.  Alguma teoria?  

segunda-feira, junho 28, 2010

muito cacete


Fico contente com a vitória, mas acho futebol muito chato. Fazer o quê?

foto capturada no globonline: Brasil 3, Chile 0.

domingo, junho 27, 2010

sobre corredores e escritores

Admiro os corredores pela ausência de produção: basta-lhes um tênis, uma pista e disposição para se satisfazerem com a enxurrada das endorfinas que a corrida proporciona.  Nada de clubes, equipamentos, gastos ou parceiros.  As pernas, os pés, um par de tênis, o chão e lá vão eles, um leve sorriso estampado ao final da corrida, transpirados e felizes (não corro, apenas caminho, mas um dia chego lá, senão para celebrar a simplicidade desse prazer).  Escrever, acredito, é parecido.  Quando penso que Saramago mal terminou o ginásio, assim como Erico Veríssimo também não, e ambos os grandes escritores que foram (ou são? será que escritores nunca morrem, assim como os sonhos não envelhecem?), tudo parece tão simples: a folha em branco, a caneta, ou o teclado e a tela, uma ideia na cabeça, alguma observação da vida, a vontade e a coragem de maltraçar umas linhas.  Nenhuma sofisticação, nenhum equipamento, nada.  Corredores e escritores não esperam por ninguém, olham para o papel em branco ou para o chão e vão em frente, na certeza que o melhor não é chegar ao fim, mas se dar o prazer e o sofrer do percurso.        

sexta-feira, junho 18, 2010

pena




José Saramago, nascido em 16 de novembro de 1922 e falecido hoje, 18 de junho de 2010.

foto capturada no google

soube viver

José Saramago e sua mulher, Pilar, no dia do casamento deles, em 2007.

imagem capturada no google

sábado, junho 12, 2010

o amor é um mistério

A mídia dedicou ao amor a semana que antecedeu o dia dos namorados, programas e artigos sobre estudos recentes em paixão e romance, enquetes sobre expectativas dos homens e mulheres em relação a relacionamentos e etc.  A neurobiologia descobriu que a atração é informada não por subjetividades, mas por cheiros que escapam ao olfato perceptível, cheiros que denunciam se o sistema imunológico do outro é complementar ao seu próprio para garantir uma prole forte.  Visto assim, o fenômeno da atração parece fácil.  Mulheres estrogênicas procurariam por homens testosterônicos. Não consegui assistir aos programas todos, vi parte de um na quinta-feira e  a um terço de outro ontem.  É natural a curiosidade da ciência sobre o assunto, não conheço quem não questione o amor romântico e quem não queira viver em estado de paixão. Não ouvi os cientistas dizerem, mas ousei supor um dia que o amor tivesse a ver com o desejo primário da reprodução e com a evidência de que duas pessoas juntas serão sempre mais eficientes em se proteger mutuamente na vida que, ainda hoje - e talvez mais ainda hoje - é uma verdadeira selva.  Supus, supus...  Minhas conversas com Cupido desde a adolescência nunca foram muito reveladoras, mas a de ontem, surpreendentemente, foi: não há qualquer razão palpável. O que explicaria, por exemplo, duas pessoas completamente diferentes se apaixonarem e, em alguns casos, permanecerem juntas anos a fio? É comum irmãos com temperamentos completamente opostos porque um puxou ao pai e outro, a mãe.  Culturas distantes, origens diversas, diferenças de idade, os mais variados abismos os apaixonados superam por uma ponte chamada amor.  A mim não parece razoável a explicação de feronômios para quem se conhece na virtualidade, e eu sei de um caso desses com final feliz, tampouco para aqueles que não mais estão em idade reprodutiva.  Perguntei a Cupido ontem se seriam as flechas atiradas ao acaso ou se ele recebia alguma instrução superior antes de as desferir.  "Porque você quer saber, afinal, porque todos querem saber? Aceitem o mistério", respondeu. Concordo.  Aos apaixonados, aos que querem se apaixonar, aos que já se apaixonaram, aos que sofrem por amor e aos que se regozijam com ele, a todos, meus votos de um feliz dia desse mistério que se chama amor.  

ilustração capturada na Internet, Cupido e Psique in love (também ele!), ela numa atitude de total entrega.  Curioso, não existe "dia dos casados".

domingo, maio 30, 2010

ela é melindrosa, ela é melindrosa...

Serpenteei excitada a grande avenida que margeia a cidade aos poucos se insinuando já em sua grandeza.  Ali percebi sua densidade, mas não poderia imaginar o quanto é fresca e juvenil.  Sim, estava em New York, depois de quase não partir do Rio de Janeiro, na data do embarque então assolado por uma inundação incomum em abril, e de uma conexão perdida em Atlanta.  Ali estava ela - e eu nela, afinal - e me senti mais realizada do que propriamente feliz.  Acho que nunca vou me esquecer daquela sensação de quase-festa que tive ao sair do aeroporto e de me aproximar de Manhattan.  Se a imaginava grandiosa, surpreendeu-me saber  tão lindamente art-déco, um estilo que tanto admiro, embora não tenha sido difícil entender o porquê - afinal, era a moda na época em que a cidade mais floresceu - e, afora seus ícones, como o Chrylser Building, há detalhes inusitados em toda parte.  A melindrosa é pulsante, é vibrante e se oferece em música, teatro e compras o tempo todo.  É incrível como se compra!  E é apressada, não tem muito tempo a oferecer em nenhum serviço como anotar o pedido no restaurante ou comprar ingressos para o teatro.  Na melindrosa há arte, muita arte, a ponto de valer uma visita de quase oito horas no Metropolintan Museum of Art, e mais outros cinco museus, incluindo a felicidade de ver Tim Burton expondo no MoMa, além da Frick Collection e da galeria eleita minha preferida, The Neue Galerie, que abriga Kadinsky, Schiele, Ernst, Klimt e Otto Dix, este a vedete máxima, todos reunidos num prédio esplêndido (muito mortal aquilo tudo!).  Antes de partir, a melindrosa me perguntou ao ajeitar seu chapéu no toilette do The Radio City Music Hall: "honey, are we going to meet again?", ao que respondi, sinceramente esperançosa:  "I really hope so, babe".             

p.s. foto capturada do Google imagens

sexta-feira, abril 02, 2010

o causo do coup-de-foudre e a goiabada

A 'famigilia' se reuniu em peso no último domingo e da reunião brotaram causos.  Do passado e do presente é muita história; não admira, a famiglia é mesmo imensa e a memória é cultivada.  Há uma história que sempre achei meio fantasiosa, mas que parece ser de fato verdadeira, a da noiva que fugiu com o padre no dia de seu casamento, lembrada e relatada a uma prima querida e a mim ainda uma vez.  Ouvimos atentíssimas e pus-me a indagar (ninguém soube dizer, parece que os dois sumiram no mundo) se tiveram filhos, se foram felizes, o que fizeram da vida, onde moraram. Nada se sabe.  Sabe-se, porém, ou pelo menos é o que se conta, que a noiva teria fugido com o padre bem na hora do casório àquela época pudica do fim do século retrasado e naquele fim de mundo.  Figuro os noivos ali, prestes ao enlace, justo no momento do 'felizes para sempre até que a morte os separe' e ela, marota, dando uma piscadela para o padre, o sinal para evadirem-se, o que fizeram num cavalo que ali dava sopa.  Seriam apaixonados já há algum tempo ou tudo se deu mesmo na hora do casório?  Disseram-me ter sido a segunda hipótese, o padre era novo na cidade.   Foi o mais perfeito amor à primeira vista, coup-de-foudre total. Falei a minha prima que um caso de quem larga tudo por um amor demasiadamente súbito e intenso é o avesso do amor impossível, aquela coisa deprê de Abellard e Heloïse, de Romeu e Julieta, criaturas desprovidas de desprendimento e coragem.  Rimos as duas.  Eu, pela história bizarra; ela, suponho que sim, mas também porque antes me confidenciara, com aquela singeleza própria da gente do interior, que está produzindo (e vendendo) nada menos do que sessenta toneladas de goiabada por mês.  Ô, sô!   

foto capturada da Internet

domingo, março 28, 2010

em punta


"No más, no más", dizia a croupier do Casino Conrad, as mãos se espalmando sobre a mesa, os dedinhos se contraindo e se expandindo, a tensão antes de a roleta girar ao anunciar que as apostas estavam finalizadas.  É possível ficar na mesa por horas a fio apenas oscilando entre escolher o vermelho ou o preto, ou  a dezena, ou outras variações, e não perder muito dinheiro, apenas algum para a diversão.  O casino é feio, as pessoas, tensas, mas a cumplicidade que a situação do perigo induz é sedutora.  Ali aprendi que o dinheiro não é entregue a croupier, mas à mesa, e que não deve haver lugar mais vigiado no mundo do que um casino.  Punta del Este, o balneário instalado numa península à leste do Atlântico é bonito e sofisticado, e o mistério de saber como pode não haver lixo sem lixeiros intriga uma carioca que vê ambos aos montes neste outro balneário.  A praia é silenciosa, e o mar, bem frio, atrai medusas, a quem quase se deve pedir licença para mergulhar.  No dia anterior, o por-do-sol em Casapueblo, residência e atelier de Carlos Villarò - o maior pintor uruguaio vivo e uma simpatia - se revelou algo intensamente poético, pungente e, da natureza, um exemplo de verdadeira maravilha.  O sol se derretendo no meio do mar, no meíssimo do mar e todos os dias, como diz o artista, ficará para sempre plasmado em minha memória.  Na península, ao sul do continente, o mar e o sol me trouxeram saudade de tudo o que amo e também de mim, mas foi uma saudade que em nada doeu.   

a foto é minha, um instantâneo do por-do-sol em Casapueblo

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

seria ele um ponto de interrogação?

Uma amiga outro dia num e-mail disse que não interrogava porque a interrogação se recusava.  Dito assim parece bizarro, mas era simplesmente uma queixa sua do teclado.  É que fica tudo muito engraçado dito por ela, uma criatura estóica, o deboche articulado pelos sérios é sempre especialmente divertido.  Insiste em ser o ponto de interrogação da vez o "g": acabo de ler que cientistas franceses, contrariamente ao que afirmaram os cientistas ingleses há pouco tempo, juram de pé junto sua existência.  Ora, que coisa! Que potin no meio científico! Todo o rigor da ciência e anos de pesquisa em torno de tamanha interrogação, alguns milhares de euros e libras gastos em torno dela.  Calculo que seja um pouco mais do que o Mar da Mancha a separar ambas nacionalidades e indago se não haverá nada melhor para se  pesquisar.  Sim, porque não se trata de um tricotar feminino, de uma quimera gestada pelo ondular do estrogênio, e sim de pesquisa ci-en-tí-fi-ca, que demanda recursos e tempo e projetos e pessoas e etc.  Debaixo do Equador e em tempos de carnaval, imagino uma antiga marchinha para o "g": "olha o ponto g das muié, o que será que ele é, o que será que ele é?" 

foto capturada no site do Globo ontem, o carnaval de rua no Rio de Janeiro. Evoé, Momo!  

terça-feira, janeiro 12, 2010

mamãe na lagoa com seu hipopótamo


Deve ser o verão que faz os acalorados delirarem um pouco, não sei.  Seja o que for, o fato é que achei bastante inventiva a justificativa que meu pai deu para a louca que telefona para minha mãe ao menos vinte vezes ao dia (eu havia alertado que se tratava de uma maluca de jogar pedra na lua e que, ainda por cima, possuía requintes de chantagista emocional profissional.  É uma louca perversa, mas ninguém me deu ouvidos e ainda me chamaram de pouco compassiva): "ela foi buscar seu hipopótamo no Jockey Clube para levá-lo para passear na Lagoa, está muito calor".  É aí que entra a canícula porque a ela atribuo a razão de, ato contínuo, eu ter lisergicamente figurado minha mãe, em formato de história em quadrinhos, puxando pela coleira seu hipopótamo na Lagoa Rodrigo de Freitas.  E na sequência ainda a imaginei sentada num quiosque com o bicho deitado a seus pés enquanto ela conversava com minha madrinha que, por sua vez, tinha na coleira uma girafa, as duas tomando água de coco. Não tenho tanta imaginação, só pode ser delírio causado pelo calor senegalesco e inclemente: ontem, às 18:50hs (ou 17:50hs no horário normal), o termômetro marcava 39º C.  Nunca vi temperatura igual neste horário no Rio de Janeiro.  Já a louca de estimação, dada a delírios diuturnos, respondeu que o hipopótamo da mamãe ( "uma graça de bicho") deveria estar mesmo sentindo... muito calor.

foto capturada da Internet, uma praia na Polinésia Francesa.  Gostaria de ser a dona dos pés, menos pelos pés e mais pela praia.

sexta-feira, janeiro 01, 2010