Não atino bem a razão de me haver ocorrido só hoje pensar numa frase de Blanche Du Bois, personagem de “Um Bonde Chamado Desejo” de Tennessee Williams, depois reproduzida por Pedro Almodóvar na personagem vivida por Marisa Paredes em “Tudo Sobre Minha Mãe”: “sempre dependi da gentileza de estranhos”. E me ocorreu também que, das duas vezes que ouvi esta singela frase, dita por estas duas personagens em momentos tão oportunos, tive o sentimento de estar diante da genialidade daqueles dramaturgos, um por tê-la concebido, outro por tê-la relembrado. E também por estar diante de um fato da vida.
Porque é fato que as delicadezas nem sempre vêm de quem se espera.
E talvez porque, ao contrário do que se pensa, nem sempre a delicadeza é compreendida.
O caso é que por duas vezes fui tanto objeto quanto sujeito de inusitadas, porque inesperadas, delicadezas.
Uma delas aconteceu no Aeroporto de Congonhas, numa sexta-feira em que estava exasperada para voltar para casa, cansada do trabalho pesado de um longo dia, adensado em aridez por ter exigido deslocar-me pelo caos daquele trânsito paulistano várias vezes, louca por alcançar o vôo cujo último assento conseguira por um golpe do destino. Bem na hora de entregar o cartão de embarque, já ali no portão, cadê? Sumira. Assim, do nada, ele não estava mais no compartimento externo de minha bolsa, onde deveria esperar-me incólume. Desaparecera.
Ao que, de imediato, dei meia-volta, o coração já na boca, e, um pouco adiante, uma figura diminuta, um nissei, dirige-se a mim resoluto e, com o braço estendido, me oferece aquele passaporte para a redenção. Eu só olhava para o cartão desde que o avistara na mão daquele homem. E este homem, ao me entregá-lo, o retém um pouco, o suficiente para que eu o olhasse com mais vagar. A entrega do cartão não foi sua única oferta: ele me comunicou, eu percebi perfeitamente, que eu estava precisando de paz. E também percebeu que eu agradeci imensamente o recado, pois recebi o cartão de forma algo solene.
A outra foi dia desses, quando ajudei uma pessoa a atravessar a rua. Do nada, percebi, como se o vento me houvesse dito, que aquela hostilidade urbana humilhava de tal forma aquela pessoa que ela não conseguia atravessar a rua. Dei-me conta, esperei o sinal de novo, atravessei e simplesmente perguntei se queria ajuda, e queria, e muita. Foi bastante simples, não carecia de perguntas, tampouco de respostas, nem uma nem outra foi feita ou dita. Um simples atravessar de rua.
E o que mais me impressionou foi de saber precisamente o que angustiava aquele coração. E talvez ninguém próximo a esta pessoa tenha se atentado que ela não poderia estar naquele lugar desacompanhada; mas estava, e claramente sofria por estar.
Senti um certo conforto em pensar que sim, é deliciosamente estranha a delicadeza quando vem de um estranho. E um tanto de desconforto ao pensar que não, nem sempre é familiar a delicadeza quando vem de um próximo.
Porque é fato que as delicadezas nem sempre vêm de quem se espera.
E talvez porque, ao contrário do que se pensa, nem sempre a delicadeza é compreendida.
O caso é que por duas vezes fui tanto objeto quanto sujeito de inusitadas, porque inesperadas, delicadezas.
Uma delas aconteceu no Aeroporto de Congonhas, numa sexta-feira em que estava exasperada para voltar para casa, cansada do trabalho pesado de um longo dia, adensado em aridez por ter exigido deslocar-me pelo caos daquele trânsito paulistano várias vezes, louca por alcançar o vôo cujo último assento conseguira por um golpe do destino. Bem na hora de entregar o cartão de embarque, já ali no portão, cadê? Sumira. Assim, do nada, ele não estava mais no compartimento externo de minha bolsa, onde deveria esperar-me incólume. Desaparecera.
Ao que, de imediato, dei meia-volta, o coração já na boca, e, um pouco adiante, uma figura diminuta, um nissei, dirige-se a mim resoluto e, com o braço estendido, me oferece aquele passaporte para a redenção. Eu só olhava para o cartão desde que o avistara na mão daquele homem. E este homem, ao me entregá-lo, o retém um pouco, o suficiente para que eu o olhasse com mais vagar. A entrega do cartão não foi sua única oferta: ele me comunicou, eu percebi perfeitamente, que eu estava precisando de paz. E também percebeu que eu agradeci imensamente o recado, pois recebi o cartão de forma algo solene.
A outra foi dia desses, quando ajudei uma pessoa a atravessar a rua. Do nada, percebi, como se o vento me houvesse dito, que aquela hostilidade urbana humilhava de tal forma aquela pessoa que ela não conseguia atravessar a rua. Dei-me conta, esperei o sinal de novo, atravessei e simplesmente perguntei se queria ajuda, e queria, e muita. Foi bastante simples, não carecia de perguntas, tampouco de respostas, nem uma nem outra foi feita ou dita. Um simples atravessar de rua.
E o que mais me impressionou foi de saber precisamente o que angustiava aquele coração. E talvez ninguém próximo a esta pessoa tenha se atentado que ela não poderia estar naquele lugar desacompanhada; mas estava, e claramente sofria por estar.
Senti um certo conforto em pensar que sim, é deliciosamente estranha a delicadeza quando vem de um estranho. E um tanto de desconforto ao pensar que não, nem sempre é familiar a delicadeza quando vem de um próximo.