terça-feira, julho 31, 2012

crônica de um dia que se bastou

A semana começa.  Às quatro e meia da manhã eu não sou eu, sou uma pré-eu.  Uma espécie de geléia de mim mesma, um ser pastoso e burro. De pé a essa inominável hora para pegar um avião bem cedo, e premida pelo horário, às cinco e meia já deveria estar quase pronta, mas foi a hora em que acabei de tomar café.  Tinha, portanto, exatos trinta minutos para tomar banho, lavar a cabeça, secar o cabelo, me arrumar e sair.  O taxista esperou sete minutos, estava marcado para as seis da manhã.  Trinta e sete minutos no total, quase um recorde.  Ganhei a rua um pouco depois do amanhecer  e já estava cheia; o aeroporto, uma rodoviária de tanta gente, como costumam ser agora os aeroportos.  Suponho que todos lá tenham sido tão matutinos quanto eu, já que os homens tinham a barba feita e as mulheres estavam arrumadas e maquiadas para mais um dia de trabalho no cerrado.  Embarcada, veio o pior - dormir no avião é difícil, ler é difícil, ouvir música idem, pensar na vida, um pensamento mais articulado, impossível.  Então resolvi rezar.  Agradeci, pedi proteção, me imaginei abraçada por Maria, e ali fiquei quase o voo todo.  Talvez intuísse o quanto esse carinho me absorveria o impacto das más notícias que em seguida recebi (notícias ruins, sim, mas não mortais). Reunião que fluiu normal, sem maiores embates.  Missão cumprida, valia uma passada na Catedral para aproveitar o espírito do dia e também porque há tempos lá não ia, queria vê-la recuperada após a reforma nos seus belos vitrais.  É lindo, parece o céu, tudo tão azul, os três anjos dependurados.  Depois, segredinho do cerrado: almoço em restaurante natureba.  Sim, restaurantes naturebas em Brasilia são os melhores do mundo.  Esqueça tudo o que vc já viu de restaurante natural por aí, em Brasilia, afianço, tem melhor.  Calculo que seja pelo fato de lá nunca ter saído de moda o comportamento hippie (não é hippie chique, ou new hippie, nada disso.  É hippie mesmo, daqueles lá dos primórdios dos anos sessenta, hippie cabelão, bolsa a tiracolo, roupa indiana, chinelo, macrobiótica, crianças semi-nuas, casa na chapada para ver disco voador e etc).  Volto para o Rio às quatro da tarde.  No meio da tarde e em companhia aérea barata adivinha quem está no voo?  Hippies, claro.  Ao meu lado uma família ruidosa inteira.  Tudo bem.  Tinha tudo para ser uma volta péssima, mas "A Última Madrugada", de JP Cuenca - uma reunião de suas crônicas que há tempos procurava e achei, enfim, no aeroporto (livrarias de aeroporto, velhas minhas conhecidas) - me absorveu integralmente.  Consegui ler, incrível. Imersa no espaço mais fácil de transitar do mundo que são aquelas crônicas deliciosas, percebi eu mesma a crônica do meu dia e não tive a angústia de chegar logo em casa.  Desembarquei tranquila, abençoada, leve e feliz.  Tem dia que só o dia basta.         


a foto é minha, tirada com o telefone celular