sexta-feira, agosto 19, 2016

na praia de burkini

"Women are the nigger of the world" afirmou John Lennon, de forma que hoje certamente seria considerada política e duplamente incorreta.  Ele tinha toda razão.  Não existe na história da humanidade - ou seja, na história da opressão e da dominação - nada que tenha escapado às mulheres.  Ontem a imprensa veiculou que mulheres de burquíni não serão mais toleradas nas praias francesas e a questão ganhou polêmica.  O premier francês, Manuel Valls, disse que as praias são espaços públicos e, como tal, não devem tolerar trajes que signifiquem  um "projeto político de contrassociedade" pela expressão da "subserviência feminina".  Já há alguns anos que a França não mais tolera burcas que cobrem o rosto  nos espaços públicos como medida de segurança, o que se compreende. Porém, o que está em jogo não é o uso dos trajes que cobrem a mulher inteira, mas o uso nas praias pelas muçulmanas de uma vestimenta fechada, como se fosse um vestido de manga comprida por cima de uma legging (foto abaixo).   
Ignoro se alcanço bem o conceito de "contrassociedade" propugnado por Valls, mas bem sei que não pensou ele que talvez ir à praia, ainda que de burquíni, já é um grande passo para as mulheres muçulmanas. A questão que parece a todos escapar, ao menos do que li até agora sobre o assunto, é que a "evolução" (coloco aspas porque não sei se a palavra é bem essa), melhor dizendo, o caminhar das sociedades não segue da mesma forma, tampouco parte dos mesmos valores. É certo que aquelas mulheres agora podem frequentar uma praia - e nela ter a bela experiência de um banho de mar - não ousavam fazê-lo há bem pouco tempo. Se chegarão a se desnudarem é outra coisa, coisa aliás irrelevante, porém não se discute que se não puderem ir vestidas como seus costumes permitem simplesmente não irão à praia.  Figure-se num calor infernal no norte da África ou mesmo nas cidades mediterrâneas em pleno verão olhando o mar sem poder banhar-se.  Como carioca, calculo sem dificuldade a tortura que seria. 
Então por que razão justo a Europa, e em particular a França que se diz tolerante, irá impor o código de vestimenta àquelas que, de forma tardia, alcançaram um lazer tão banal? Será difícil supor que se assim for delas será sumariamente suprimido um deleite que apenas agora conquistaram?              
No mundo inteiro, em anos de história, de uma forma ou de outra, tudo às mulheres acaba por virar opressão - até quando se afirma que a intenção é libertá-las.   
Valls, désolée, mas vc não me representa, tampouco as muçulmanas que diz querer "libertar".

p.s. será que Valls tentou deixar a ultradireita atônita com essa declaração? Seria a ambiguidade da sua declaração uma jogada política?

p.s2. Valls teria sido elegante se no lugar da infeliz declaração dissesse que se regozijava com o fato de as muçulmanas agora frequentarem as praias e que esperava um dia vê-las se vestindo de uma forma mais leve - e apenas isso.

p.s3. já pensou se aos portugueses, ao aqui aportarem em 1500, não tivesse sido permitido pelos índios banharem-se com seus camisolões? "Aqui só nu, como fazemos nós", teria sido o comando dos então donos das terras.  Passados mais de cinco séculos, continuamos nos vestindo. O toplesss, aqui, não pegou, e são poucas as praias de nudistas.

#napraiadeburquini