sexta-feira, outubro 26, 2007

dois sucessos e um fiasco

Numa das vezes em que estive em SP ano passado a trabalho tive a boa idéia de pegar um vôo cedo para poder ver a exposição “Grande Sertão Veredas” que estava em cartaz no Museu da Língua Portuguesa. Foi uma experiência sensorial que sorvi aos poucos. Havia um imenso encantamento de todos que lá estavam. A mostra, linda, original e inusitada, era abrigada em salas pequenas, contíguas, que iam sendo descobertas no percurso. Ela se revelava aos poucos - e assim surpreendia. À parte uma ou outra interjeição dos visitantes e, ao final, a voz de Maria Bethânia lendo um trecho da obra, imperava um silêncio quase solene. Saí feliz e encantada. Ontem o acaso me levou a Casa França Brasil, onde está a exposição “180 Anos da Indústria Brasileira”, que ignorava totalmente. Também saí feliz, com um sorriso dos lábios. Há de tudo lá. Desde o Brasil Colônia até agora, passando pelo Brasil Império, início da República etc. Há originais dos artefatos, de toda espécie de inventiva, de indumentária, objetos pessoais, toda a sorte de produtos industrializados. Tudo está separado por épocas e a partir delas está caracterizado um ator ou uma atriz que ali ficam integrando o lugar e o seu espírito. Uma graça. É um programa para todas as idades, para mentes curiosas. O fiasco? A montagem de “Grande Sertão Veredas” que no sábado passado casualmente vi no MAM, onde tinha ido para assistir a exposição “Marilyn, um Mito”. Não tem a menor graça, a sensação de mistério que tinha a montagem paulista ali ficou esvaziada. Instalada numa grande parte do mezanino, ficou tudo reto, sem contorno, sem descoberta. Além disso, havia um evento de arte para crianças no andar de baixo, o que transformava o lugar num enorme centro de algaravia. Ou seja, uma mostra linda que perdeu o encanto original. Então, é o seguinte: vale correr para ver esta exposição que está na Casa França Brasil. Uma mostra boa é uma conjunção de muitos fatores e nesta estão todos lá.

quarta-feira, outubro 17, 2007

o efeito-chimpanzé


Em nada me admirou saber que 98% de minha informação genética coincidem com a de um chimpanzé. Ora, se coincidem em 80% com a de um porco, nada mais justo. Fico divagando em quanto será a coincidência com uma vaca, visto sentir-me assim amiúde uma vez por mês. Parece que não importa, somos todos mamíferos e a minha experiência com cães já demonstrou que há um denominador comum em termos de mazelas dos seres viventes sobre a Terra. O meu cão, por exemplo, é epilético, cardiopata e recentemente ficou diabético por causa da idade (tem doze anos), o que o levou à catarata, da qual se operou de uma vista e voltou a enxergar. Como nos humanos, uma coisa puxa a outra. Depois me ocorreu essa história de Mônica Veloso, a jornalista que se deitou com Renan Calheiros (tem gosto para tudo) e que, deste leito, gerou uma filha. Pensei furiosamente no efeito-chimpanzé e nos descobri sendo todos reféns deste determinismo genético. Não é um conceito difícil de apreender. As mães ensinam as filhas; os pais, os filhos; as amigas e colegas da escola, umas as outras; os professores aos alunos e etc. Não há criança que queira ser diferente da outra; antes, se querem rigorosamente iguais, em tudo e por tudo, o que uma tem a outra vai querer também. Isso é idêntico no comportamento mais sutil, o que revela que uma atitude é mais do que fruto do “compre isso, consuma aquilo”. Este efeito-chimpanzé explica até o fenômeno da moda e como é fácil aos marqueteiros ganharem a vida. Não é complicado induzir alguém a se comportar como outrem, basta o simples argumento de que alguém já se comportou de tal maneira antes. Nestas sutilezas sobre a moda, aliás, observei que há modismos a grassar em ambientes mais recolhidos, em sub-grupos. Já vi no foro, num dia de chuva, umas duas dúzias de pares de botas parecidíssimas calçadas por advogadas e estagiárias, o que diferia um pouco em termos de estatística com o resto da cidade – botas não eram o último grito naquele outono, mas parecia que ali, naquele reduto, o eram. Ah, sim, a peladona do momento e o efeito-chimpanzé. Deve o desnudar-se de uma jornalista algo valorosa ter sido por ele causado. Virou moda, qualquer pessoa que tenha ganho notoriedade, não importa o porquê, interessa a este específico segmento do mercado editorial, há uma imensa curiosidade em ver nua a mulher-potin do momento. Não me surpreende, um amigo muito sábio e já bem veterano nesta vida uma vez me disse, embalado pela sabedoria que duas doses de destilado lhe conferem, que “tarado é alguém normal pego em flagrante”. Vai ver que sequer de sua autoria é a frase, mas que é sábia, lá isso é. Enfim, é tão-somente uma macaquice capturada pelo mercado. Dizer assim seria um reducionismo impróprio? É possível. Porém, é redentor. Qualquer coisa idiota que um dia venha a fazer, estarei sob o manto do efeito-chimpanzé, do qual dificilmente algum mortal escapa. Mas que não me entendam mal: certamente não interessaria às revistas masculinas nua. Se bem que para este “específico segmento editorial” até que eu poderia escrever umas historinhas interessantes...

terça-feira, outubro 02, 2007

Piaf, Única e comum


Imagine alguém nascido pobre, abandonado pela mãe e depois pelo pai, criada pela avó dona de um bordel, e que, ainda bem criança, fica cega e recupera a visão quase que por milagre. Imagine alguém que se vicia em heroína para aliviar a dor que sente em decorrência de um quase-fatal acidente de carro, e que perde o amor de sua vida num acidente de avião. Imagine que este alguém, nascido sob o pálio da tragédia, é uma mulher e que se chama Edith Piaf, dita “La Môme Piaf (“o pequeno pardal”), magnificamente bem retratada no filme de Olivier Dahan. “La Môme” ou, em português, “Piaf – Um Hino Ao Amor” é um tributo tardio, mas não por isso menos valoroso. É um filmaço.
O roteiro, também de Dahan, gira em torno de três eixos, Piaf criança e em início de carreira, Piaf no auge de sua fama e forma, e Piaf alquebrada pela doença, um pouco antes de sua prematura morte aos 46 anos de vida. Estes três eixos se intercomunicam ao longo do filme inteiro e faz ver como cada condição, cada fase da vida, informa a outra. Em nenhum momento a história se perde; ao contrário, cada vez ganha mais sentido a personagem. É um senhor roteiro.
A atriz que faz a retratada não poderia estar melhor. Nunca ouvira falar em Marion Cotillard, nunca mais a esquecerei. O mis-en-corps, a voz, a expressão vocal, tudo remete à Piaf, à sua essência. Marion Cotillard é uma intérprete rara.
E Piaf dispensa qualquer comentário - morta há mais de quarenta anos, não há quem desconheça sua versão de “La vie en rose” e “Je ne regrette rien”, não há quem não identifique imediatamente sua voz ao primeiro timbre. E, no entanto, era apenas uma mulher como qualquer outra, que apenas queria amar e ser amada.
p.s. este texto foi publicado na página do Jornal "O Globo" na Internet.