sábado, novembro 29, 2008

o gato do cachorro

Singrei o Aterro do Flamengo hoje mais uma vez debaixo de chuva. Só pode ser essa insistência úmida a me melar o humor, a me deixar nessa zona grísea de indigestão espiritual. Mais uma vez acordo com o sol à espreita e vou me deitar sob um chuvisco insistente. Que saco! Essas coisas têm um efeito deletério sobre a gente. Por exemplo: nunca mais vi aquele deus grego, aquele que corre na pista do aterro com seu cachorro todo dia por volta das nove e quinze da manhã, um corpo esculpido em tudo e por tudo à semelhança do Criador. Que maravilha da natureza - e que natureza! Um impávido colosso. Pois desde que chove desse jeito a criatura sumiu. Ele e seu cachorro abandonaram o exercício matinal e deixaram minhas retinas viúvas daquela visão do paraíso. Pergunto aos quatro ventos: cadê o gato do cachorro? Cadê?


foto de Ernesto Martins

quinta-feira, novembro 20, 2008

'sem compromisso, mas com responsa'

A frase do título não é minha, é aforisma do blog do Oldon. É ótima. Lembrei-me dela porque diz a Cora Rónai em sua crônica publicada na edição física do jornal O Globo de hoje que escrever sobre livros de amigos cronistas, pares de redação, é meio delicado - há sempre novidades, alguém publicando alguma coisa, e fica parecendo algo quase-cabotino. Não tenho esse pudor, não me sinto constrangida de falar bem de livros de autoria de amigos meus colegas de profissão; apenas não o faço porque, sinceramente, obras jurídicas aqui dariam traço no Ibope. Mas o livro do Arnaldo Bloch é realmente muito bom ("Os Irmãos Karamabloch", Companhia das Letras). Fui no lançamento na terça-feira, o comprei, e, do que li até agora, adorei. É muito bem escrito, uma história espetacular. A saga dos Bloch é cinematogrática e ouso jogar as fichas em que esse livro vira um filme, um docudrama. Quem sabe? Portanto, assim que terminar de ler "Leila Diniz", de Joaquim Ferreira dos Santos, com quem ultimamente me pego com total delícia naqueles meus vinte minutos antes de dormir (com o livro, bem entendido), é no do Arnaldo que vou me jogar. Não há nada melhor do que ler um bom livro e melhor ainda se foi escrito por alguém de quem se gosta e se admira pelo talento e pela gentileza. Não apenas declaro (sem compromisso), como assino embaixo - com total responsa.

outro despudor, a dedicatória que me fez AB: "À Denise S, tradicional amiga de e'mails e blog, e também de uma chuvosa feijoada no Jobi de ótimas lembranças, com um beijo do Arnaldo"

quinta-feira, novembro 13, 2008

dias nublados virão


Setembro começou muito quente, um calor de 36º C à sombra, eu nem sabia o que mais podia propor a uns amigos estrangeiros que teimavam em largatear na praia. Não titubeei em lagartear junto, era a fome e a vontade de comer. Depois viajei, um sol de rachar; quando voltei, soube que aqui chovera o tempo todo. Desde então não vi mais nenhum dia amanhecer ensolarado. Tem dois meses isso. Chove, chove, chove. Para piorar, há uma névoa densa e úmida pela cidade. Detesto esse clima de floresta tropical porque, além de me sentir mal fisicamente, tenho a impressão de que fica todo mundo de bode, com uma burrice crônica, uma idiotia. É horrível. E, se as nuvens insistem em assolar o Rio e emburrecer a todos, o resto da humanidade resolveu teimar do fundo da alma que tudo vai mudar porque Barack Obama foi eleito. É claro que adorei sua vitória, que fique claro. Mas insisto em achar que, à exceção do clima carioca, que até pouco tempo atrás tinha a primavera ensolarada e ventosa, nada muda tão rápido. De mais a mais, ele não é um furão da questão racial e seu determinismo, como o o Ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, por exemplo (reparem: filho de pedreiro, estudou sempre em instituições públicas e foi aprovado em concurso público para Procuradoria da República). Para piorar a burrice que anda a todos sobrepairando, ontem ouvi a pérola de que o Brasil vai precisar de 'anos de educação' para eleger um presidente afro-descendente. Agora, me expliquem: se nós elegemos um ex-operário, porque raios precisaríamos de 'anos de educação' para eleger um afro-descendente? Aposto que é culpa das nuvens!
p.s. a foto é de Ernesto Martins, que, pelo jeito, não perdeu o bom humor com tanto tempo nublado.

terça-feira, novembro 11, 2008

blind date




Blind dates são, por natureza, constrangedores. Alguém anteviu alguma afinidade entre você e um amigo e armou o encontro. Você não quer ir, mas cede; quase desiste, mas segue em frente. Ficam os dois ali, meio que se entreolhando, num ritual de aproximação quase indígena, vai um espelhindo daqui, vem uma pena em troca de lá. É o meio de cultura ideal para a infecção pelo vírus da gafe. E uma gafe é algo mortal numa situação dessas, capaz de catapultar seu sujeito ao total esquecimento do outro, ou, pior, ao escárnio pelas costas com o amigo armador do encontro. Fazer o quê? Uma gafe, por definição, é uma inconveniência não-deliberada; se deliberada fosse seria uma grosseria. Dessas coisas horríveis da vida. Tenho sempre um pouco dessa sensação de blind date com autoridades de outro país e é bem assim que me sinto em relação ao presidente eleito Barack Obama. O fato de ter que conviver com alguém não-escolhido por mim que, mesmo distante, é capaz de me afetar por uma decisão sua, me traz essa sensação. É estranho, mas é verdade. O pior é que ele próprio já cometeu uma gafe e foi alvo de outra. Que coisa! Espero jamais encontrar com esses blind dates. Temo cometer uma gafe incontornável. Já pensou criar um incidente diplomático?
as fotos, capturadas da internet, mostram o que um amigo me disse ser uma das mais valiosas qualidades de um político: ter um belo sorriso e uma expressão agradável, amistosa.
há um artigo chamado "Barracobama ou Tem Branco no Samba", de Mathilda Kóvak, publicado no Cronópios, portal de literatura e arte, que vale a pena ler. É, no mínimo, polêmico.