terça-feira, outubro 31, 2006

quando?

na praça em que há um chafariz incrível
na esquina em que se ergue uma palmeira inóspita
ao lado do Edifício Argentina
perto daquela igreja gótica
em frente ao sinal onde a louca esbraveja intrépida
ali, no lugar em que eu estacionava o carro

tudo isso só pra te perguntar
(se é que ainda não deu pra perceber):

quando é que a gente se vê?

sábado, outubro 28, 2006

... e o jornalista não quis me conhecer

Não houve jeito, bem que eu tentei. Acreditava em afinidades descobertas de formas inusitadas, e como não havia jamais trafegado neste universo bloguiano, pensei why not? Afinidades encontram-se por si próprias, não precisam, necessariamente, de seus donos para identificarem-se. Como seres farejadores, teriam elas, à sua própria conta e sorte, se identificado. A nós, apenas restaria render-se a esta realidade para lhe concedermos uma chance de encontro, se é que têm mesmo vida própria.
Mas ele não quis, ainda que eu tenha tentado. Antes disso era engraçado, porque não raro eu pensava em algo e ele escrevia; observava uma novidade interessante ou inóspita, ele apontava; de tal forma essas coincidências se manifestavam que um ser rastejante freqüentador de seu blog, alguém que depois soube ser meu detrator, insinou que éramos a mesma pessoa. Ali naquele estranho universo, onde as identidades parecem se misturar.
E o cara é de 70, geração com quem, por razão que não me ocorre, tenho muitas coisas em comum. Oscilo entre ter nascido um pouco antes da época ou estar um pouco atrasada em minha, digamos, evolução. Não sei, tampouco quero saber, mas o certo é que os nascidos em 70 têm em mim uma admiradora e alma afim. Aliás, isso de ser ele mais novo me parecia muito bom: nunca olhei para alguém mais novo do que eu como alguém factível para um romance comigo, e não era nem de longe romance o que eu queria com ele, porque, de resto, estou muito bem como estou e com quem estou. Não era nada disso e ele sabia.
Ah, é verdade, o e-mail. Mandei-lhe um em que o convidava para um café e no qual reiterava a afinidade nossa, algo a que talvez não tivesse atinado. De um jeito meio atravessado, porém direto, esclareci que não pensasse haver qualquer flerte meu. Dele tive como resposta a informação de que andava atarefadíssimo, escrevia uma sinopse e que em seguida entraria de férias. Disse de forma amigável e simpática que eu aguardasse.
Eu aguardei e nada, o que me conduziu a um “e aí?”, forma carioca de perguntar ao interlocutor se está se lembrando daquele compromisso que ficou para quando e se. E aí me disse ele, deslavadamente, que a última coisa que queria na vida era um blind date intelectual, verdadeira porta de entrada para uma sessão de constrangimento e tortura. Sugeriu que se encerrasse a história ali mesmo. Quer dizer, isso não disse assim, mas desta forma foi compreendido. “Pena”, pensei. "Pena".
Porém, a sorte retorceu um pouco as coisas e, ao ler sua última crônica, percebi algo que não antevira antes: é dado a feudos, a "sub-máfia" como alcunhou o que antes se chamava "panelinha", a turma, talvez... séquito. Um abismo entre nós, que sou mais afeita a uma diversidade.
Quer saber? Tant pis.

segunda-feira, outubro 23, 2006

vênus

Sobreveio a hora da estrela
quando nasce Vênus
quando parece mágico o lusco-fusco
pulsam alertas as primeiras luzes da cidade
logo escurece a montanha adiante.

Então lembrei que me chamaram “moça”
num anoitecer exatamente como este
entre tantos prédios e pessoas e carros
me virei assustada
e era você.

Você.

sábado, outubro 14, 2006

a utopia de um tio-avô


Ele me fala das coisas de sua fazenda, achando graça em minha pergunta sobre quantos quilos um pé de café é capaz de produzir, mostra-me o que foi recentemente roçado, o barranco que caiu adiante, a reforma que fez na casa, os bezerros recém nascidos e seu melhor touro. Circunda toda a sua propriedade em seu fusquinha-branco-expresso, subindo e descendo aquelas montanhas lindas de doer. Que saúde.
Acende a iluminação do terreiro do café à noite e para lá me despacha, dizendo, com ligeiro sarcasmo, que não devo temer os cachorros, basta pedir a São Roque, que de mim os afastará. Seria um pecado perder aquela noite estrelada; portanto, que vá ao terreiro dar umas voltas e digerir o jantar. Logo.
Ama sua mulher e sua família com vigor e doçura. Não é sempre que se vê isto quando, sendo hóspede, se irrompe a intimidade dos anfitriões. E o silêncio não lhe pesa, como tampouco à minha tia; significa, apenas, um certo cansaço do dia que começou com a aurora.
Ouvi-lo me chamar “ô, menina!” é música para meus ouvidos. Não que eu não me sinta uma, antes muito pelo contrário - é assim que me sinto amiúde e me admira ser constantemente tratada por “senhora” - mas aquele “menina” é tão sincero que um dia, ao lhe revelar minha satisfação por receber um tratamento que considero tanto verdadeiro (oh, imodéstia!) quanto incomum, recebi em resposta uma reação sua lapidar: “ora, mas se você nasceu ontem de quem nasceu anteontem...”
A verdade é que isto só poderia mesmo vir de um tio-avô, de um tio-avô muito querido, que compartilha comigo a idéia de ser uma diletante nesta vida (o somos todos), porque só um tio-avô tão dileto poderia me explicar coisas que ignoro achando que é suposto que as ignore. Porque depois dos quarenta parece que de tudo e de todos se deve saber.
Sua generosidade, porém, faz ser verdade a utopia de que carrego e carregarei vida afora a criança que temporalmente fui um dia.
Afinal, eu nasci ontem e meu pai, anteontem.
A benção, Tio Zezé!

quarta-feira, outubro 11, 2006

queria ser uma mulher de Almódovar



Elas são sempre lindas, ainda que não no sentido tradicional da coisa: narizes grandes, feições irregulares, bocas escancaradas. Às vezes, mulheres que sequer são mulheres. Um tanto fakes, meio detonadas, bem histéricas.
Mas são lindas. Emocionam, cheias do que se costuma dizer feminilidade; carregam um drama triste, uma densidade que se atribui apenas às mulheres.
Ele consegue deixá-las acima do bem e do mal.
E pensar que fazia fotonovelas antes de virar cineasta e que escreveu um livro (“Fogo nas Entranhas”) completamente sem pé nem cabeça, cujo ponto central da trama é uma fábrica de absorventes íntimos que deixa as mulheres no cio. Madri ferve numa certa noite de lua cheia, há orientais envolvidos, uma mixórdia. Li este livro, prefaciado por Regina Casé, enquanto esperava o início de uma audiência. No foro de Niterói, valha-me Deus.
Falam sobre as mulheres de Fellini, do mistério das musas da Nouvelle Vague, das estrelas de Hollywood, mas permito-me confessar mais esta tolice: uma mulher de Almodóvar é o que eu queria ser.
Quando crescer, quem sabe?

química

uma pílula, um comprimido,
uma drágea, umas gotas,
uma vacina, um emplastro
um ungüento:
algo que estanque
esta dor
aqui dentro

quinta-feira, outubro 05, 2006

O De-Tantra



Recebo um milhão de mensagens de auto-ajuda por e-mail. Não compreendo se me remetem porque acham que eu preciso de ajuda ou se é porque pensam que gosto de assuntos de auto-ajuda. Como quer que seja, é estranho, porque, perversamente movida pela curiosidade, eu tomo um tempo e leio essas mensagens. Quase todas.
São uma nova forma de oráculo. São oráculos pós-modernos, imediatistas e sem compromisso, como convêm aos oráculos. Nada de muito trabalho, de muita despesa, de muito tempo. Respostas rápidas para consultas cruéis e/ou banais (devo ou não trocar de emprego, marido, cidade, país, a cor do cabelo), com a vantagem de não precisarem do jogador do tarô ou do reprogramador cármico. Sem intermediários, você está sentado diante de seu computador, recebe a mensagem e a iluminação é imediata. Sem sofrimentos. Sem precisar exercer a autocrítica e perceber o que é desagradável a seu respeito.
Enfim, diante desta enxurrada de aconselhamentos (gratuitos), observei que tem conselho para todo o lado: ora você deve comer assim e assado, ora de nada deve se privar, ora deve entender o próximo, ora manifestar seu descontentamento com ele.
Recebi outro dia, pela enésima vez, um tal de "Tantra Totem", que não deveria permanecer em 'minha máquina' muito tempo. Porém, se eu o enviasse a "0 a 4 pessoas" minha vida melhoraria de alguma forma. Zero a quatro pessoas.
Pinçei alguns dos conselhos deste texto e escrevi o que acho que poderia ser outro Tantra. O De-Tantra, ou a Desconstrução do Tantra, que está em itálicos.
- Coma muito arroz integral
Não se prive de nada, mas tenha moderação em tudo. Se tiver que se privar, não o faça além de suas necessidades.
- Dê as pessoas mais do que esperam e faça-o com gosto.
Não dê as pessoas tudo o que elas esperam de você, mas apenas na medida de seu próprio amor e amizade. Você não é obrigado a atender as expectativas alheias o tempo todo.
- Não acredite em tudo o que escuta, não gaste tudo o que tens, nem durma o quanto quiseres.
Não despreze o que chega a seus ouvidos, o acaso é um instrumento divino. Desapegue-se de seus bens e acredite na Providência Divina. Lembre-se de dormir o quanto precisar, o sono é o melhor dos remédios.
- Jamais ignore os sonhos dos outros;
Não ignore seus próprios sonhos e anseios.
- Não julgue os demais pelos seus parentes;
Perceba a família de seu próximo, ela dirá muito sobre ele.
- Fale lentamente, mas pense com rapidez;
Pense com vagar, seus pensamentos serão mais claros e nítidos.
- Ligue para seu pai, para sua mãe. Se isto não é possível, ao menos pense neles;
Libere seus pais de suas demandas. Entenda que a vida é um ciclo e que eles querem se sentir recompensados por todo o trabalho que tiveram com você.
- Quando você perceber que errou, faça o que for necessário para consertar seu erro. Imediatamente.
Não sobrevalorize seus erros, os problemas tendem a se resolver por si só. Apenas peça desculpas se tiver ofendido alguém.
- Passe algum tempo em solidão.
Desfrute da companhia de quem vc gosta sempre que puder. Tente sempre estar cercado daqueles que você mais gosta.
- Viva uma boa e honesta vida. Assim, quando estiver velho e lembrar do passado, vai ver como o desfruta pela segunda vez.
Não pense no passado e tente forjar seus pensamentos para não viver das lembranças passadas. A vida é aqui e agora.
- Faça o possível para ter um lar tranqüilo e harmonioso.
Não se desespere perante as disputas domésticas. Dê lugar para o contraditório no seio de sua família. Conviva com as diferenças e ensina teu próximo a fazer o mesmo.
- Leia entre linhas.
Não tente compreender aquilo que não lhe foi comunicado diretamente. Saiba aguardar.
- Se ocupe de seus próprios assuntos.
Ocupe-se dos assuntos alheios e alguém se ocupará dos seus quando vc precisar de ajuda.
- Case-se com uma pessoa que goste de conversar, pois quando chegar à velhice, as habilidades de conversador vão ser mais importantes que qualquer outra.
Case-se com alguém que goste de conversar para estabelecer uma boa comunicação desde o início do casamento. A comunicação é algo que se constrói. Até lá, aproveite os prazeres da carne que apenas a juventude permite.
Espero que tenham todos tido uma imediata e profunda iluminação.

quarta-feira, outubro 04, 2006

domingo, outubro 01, 2006

Santa Teresinha


Hoje, 1° de outubro, é seu dia.

Viva Santa Teresinha do Menino Jesus, a santa da pequena via, padroeira dos missionários!
Burguesa e bonita, renunciou à sua vida de conforto e optou pela simplicidade da vida em reclusão.
Inteligente, dramaturga e poeta, formulou a doutrina da "Pequena Via", revolucionária, pela qual diz não ser preciso muito esforço para se estar próximo do Criador - Ele está em tudo, em toda criatura.
Moderna, percebeu que no Século XX a cada um competiria uma pequena parte para fazer esta grande máquina girar. Cada um que tomasse a sua, todas são necessárias.
Cômica, vivia rindo. Era pura alegria.
Ousada, foi a Roma pedir ao Papa para entrar no Carmelo com quinze anos. A permissão não lhe foi dada, mas ela entrou assim mesmo.
Santa Teresinha é muito próxima.
Viva Santa Teresinha!
p.s. já que falo de santos: gosto deles pela fé, pela santidade adquirida, pela capacidade de renúncia. Embora vez por outra eu seja alvo de algum sarcasmo por causa de minhas devoções ("você e seus santos"), ainda que muito raramente fale delas, estes mesmos sarcásticos vez por outra me pedem para orar por eles. Já observei que quem não tem fé gostaria de tê-la.