sexta-feira, março 24, 2006

Aterro do Flamengo


Venha, meu bem, cole, cole bem nas minhas costas, mas cole mesmo, sem medo. Eu não vou me mexer nem um milímetro. Ultrapasse pela esquerda, ou pela direita, se preferir, mas ultrapasse mesmo, voando baixo nesse seu carrão, esse off-road totalmente injustificável para a lida urbana. Pise mais fundo que seus compromissos não podem esperar. Como alguém ousa te atrasar? Seus hedges, seus derivativos, suas reuniões tão agendadinhas... Todos à sua espera. Quanta premência. Que vida.
Eu vou devagar. Não que eu não tenha pressa, mas é que depois de passar por aquela Enseada tão caprichosamente recortada e de dar te cara com esta pedra lavada (choveu) brilhando sob o sol (feérica, esta manhã de outono, tão azul, tão azul) chamada Pão de Açúcar eu tive um verdadeiro spleen. Ignoro se as endorfinas se derramaram em meu cérebro, tal qual uma sinfonia orgiástica. Talvez efeito da caminhada, sei lá. Eu estou a setenta por hora e estou assim porque quero, simplesmente porque quero ver esta maravilha. Honey, eu estou até sorrindo ao dirigir, e faz tempo que eu não gosto mais de dirigir.
Mas é que as quaresmeiras floriram, e nunca vi tanto carandá junto. Tem montinhos de palmeiras-de-macarthur à direita, aquelas árvores que parecem japonesas (na origem devem ser) adiante, à esquerda. E um tronco depois do outro, depois do outro, depois do outro, depois do outro. Nunca vi tanta árvore junta. Há milhares de árvores-do-viajante no fim do retão, todas enormes. Percebi hoje uma amhrestia nobilis perto do MAM.
Lamento, mas não vou jogar tudo fora no desvão da tua pressa, ainda me restam esses sete preciosos minutos antes de mais um dia. É pena que você os tenha perdido. Sinceramente, faço votos que os recupere em breve.
É que as cássias ameaçam uma inflorescência extemporânea. Percebe?

sexta-feira, março 03, 2006

Gainsbarre



Afirmada e reafirmada em minha petulância, digo que você só não se casou comigo porque não me conheceu: tivéssemos nos encontrado lá pelos meados dos anos 80, eu novinha, mignonzinha e brunette, do Riô de Janeirô e falando francês, seriam favas contadas. Mas ali quem estava era Bambou (antes teria sido muito cedo para mim) e reconheço que não sou tão doida quanto ela. Nem tão pervertida. E era das doidas e pervertidas que vc gostava.
Tampouco adianta Jane Birkin passar o resto da vida fazendo beicinho, se intitulando sua musa para sempre, você teria me preferido. Um olhar atento (o de Charlotte) revela que o casamento de vocês dois não te foi nada grato, você vendia pouco, sua produção era escassa, e a inspiração, quase nenhuma. Ser um casal querido da midia não te garantia o pão e não te garantia a arte. Você sofreu de tédio, reconheça. Prefiro Bambou, talvez porque era uma suicida inveterada, talvez por você tê-la salvo da morte e dela mesma muitas vezes, mas sobretudo por você ter lhe dado um filho. Caramba, Gains, você teve a coragem de fazer um filho naquela louca...
Ouso repetir, Serge, você teria se casado comigo, mas você partiu de vez um pouco antes de eu ter te descoberto. Quando ouvi "Le Zénith de Gainsbarre" pela primeira vez vibrou em mim uma revolução. Eu esperava exatamente o que lá estava e sequer sabia que esperava, mas, ao ouvir, reconheci imediatamente aquela espera, aquela espera por você, e tudo o que se seguiu naquela temporada vinha embalado para presente, você o embrulho. Eu estava pronta, Serge Gainsbourg.
Mas você se fora uns anos antes e agora, quinze anos depois de sua partida, novas homenagens. Gostei de saber que Charlotte passou o último par de anos enfurnada no escritório de sua casa abrindo pastas, lendo, catalogando. E que tudo vai virar livro. E que novas provocações suas virão. E que vou ter que aguentar o beicinho da vovó-Birkin, mas tudo bem.
Porque vou ver tudo de novo, todas as suas reprises, especiais de tevê, matérias nos jornais, muitas fotos. Ouvirei sua voz falando, cantando. Acho que reconheceria em mil anos a tua voz. Tudo de novo e ainda não será tudo, porque você é inesgotável. Nunca me cansa.
Creia-me, você teria se casado comigo, e nos esgarçaríamos as almas e nos cansaríamos os corpos. Conversaríamos horas, nos divertiríamos um com o outro. E você teria gostado bem, antes que virássemos apenas amigos. Aux armes, Serge. Etcetéra.
Eu juro a você que nunca entendi porque Nicô vive dizendo que eu deveria ter me casado com um intelectual de óculos.

quinta-feira, março 02, 2006

quieta...

... em meu canto, mas não tão quieta assim. Os quietos são bem menos quietos do que parecem ser, guardam muitos pensamentos, palavras, atos etc. Não se enganem com os quietos pensando que não pensam, que não falam, que não se encorajam. Guardam-se, ou não, aventuram-se, ou não, mas estão no mundo, existem, pensam. E muito. Não necessariamente nesta ordem.
E, depois de falar muito por aí em blogs alheios, aqui estou.
Oi!