quarta-feira, julho 03, 2013

mind the gap

Manifestações pacíficas, repúdios, barulho, trânsito bloqueado, saques, polícia, muita confusão.  Uma delas vi acontecer na esquina da Presidente Vargas, eu no meu carro e mais uma meia dúzia de pessoas por ali já bem tarde, justo naquele momento.  A Polícia Militar, quando enfim conseguiu liberar a pista, não precisou esperar mais de dez segundos para que eu ultrapassasse aquele circo armado.  Estranhamente não tive medo, mas estava bem alerta, a postos para salvar minha pele, já que era mesmo o caso de salvar a pele.  Isso aconteceu muito antes de o movimento crescer na proporção em que cresceu.  Aí vieram as manifestações, acompanhadas da inundação de opiniões em todos os sentidos.  Nunca vi tanta gente tendo tanta opinião e, ao ser indagada pelos meus familiares europeus do que se tratava, senti que acertara na síntese, ainda que, ao fazê-la, estivesse bem atônita: protesta-se contra a corrupção e contra a falta de bons serviços públicos. 
Passado um tempo, a culpa do mundo que de início fora depositada apenas no governo federal acabou por ser dispersada.  Hoje li que toda a classe política eleita perdeu popularidade.  Intriga-me como algum político pode perder tanta popularidade de um dia para o outro e calculo que ou bem a popularidade não era consistente ou bem num único golpe toda a consciência política foi apreendida, numa queda de ficha coletiva. 
Mas se tudo parecia estar caminhando com alguma ordem, por que então o protesto tomou tamanha proporção? Por que existe tanta ambiguidade entre o que se pensa e o que se pratica? Por que há um espaço entre o que se vive, o que se percebe da vida, e o que se quer de fato? Por que é esparsa e escassa a comunicação com os cidadãos em plena democracia?Por que o caldo estava para entornar e ninguém se dava realmente conta do nível de intolerância a que se chegara?  As vozes das ruas já murmuravam há muito tempo, recolhidas, mas, sabe-se lá porquê, ninguém parecia estar percebendo o murmúrio inicial, tampouco o volume que poderia ganhar.  
Permaneço intrigada, mas uma luz se abriu.  A caminho da final da Copa das Confederações, no metrô, ao ouvir as instruções para o desembarque, agora ditas também em inglês, percebi que ali poderia se aviar a fórmula para a classe política  sobreviver - e  sobreviver a si própria - uma coisa tão sutil e tão certeira: "mind the gap".