quarta-feira, abril 26, 2006

c'est la vie (shit happens)

Chegava com seu andarzinho malemolente, sua voz a anunciá-la à distância, uma voz metálica com que jactava seu enorme feito de ser ela mesma. Maravilhosa, perfeita, filhos e marido idem, um verdadeiro casal 20 pós-moderno, com direito a todo o consumo possível, férias para esquiar, carro tipo bunker, vários serviçais, casa reformada etc. Uma falta de imaginação única, mas, verdade seja dita, tudo no melhor estilo, tudo bem fake para ser o mais real possível. Incrível a mediocridade de tudo o que se cercava, e por sua própria opção. Lá vinha ela para receber a notícia que não esperava e que metade do mundo já sabia.
Quase ninguém, no fundo, sentiu pena. Um certo constrangimento de o saber de véspera; aliás, de o saber há muito tempo. Remanejamentos feitos, não lhe sobrara mais lugar no trabalho, outra o ocupou e da voz metálica ninguém sentiu falta. Nem do seu pontificar a respeito de restaurantes e afins, lugares in e out, o que se devia ou não vestir, sapatos e bolsas tais e quais e otras cositas más. Sempre haveria lugar no mundo para tudo aquilo, claro, parte da humanidade arrota grandeza, outra a esnoba e o resto a cobiça. Apenas parece que havia um certo cansaço dela, um cansaço do seu excesso. Quanta falta de autenticidade, quanta tolice tão primorosamente cultivada, quanta ignorância. Tivesse perdido mais tempo adquirindo cultura teria tido melhor sorte. Falaria línguas, saberia de outros mundos, de literatura, quem sabe até de poesia. Certamente artes plásticas seriam defendidas com unhas e dentes ou reduzidas a pó, porque pontificar para ela era um must. Triste geração criada com muita coisa e quase nada. Sem densidade, faltava-lhe utopia, faltava-lhe destemor, estava praticamente reduzida a ser um prêt-à-porter tamanho único. Uma prova de múltipla escolha. Um besteirol banal.
A notícia foi dada por escrito, uma simples carta e mais nada. Discursos e agradecimentos foram dispensados porque era um salve-se quem puder. Cada um que livrasse o seu couro e já estava bom, para que perder tempo com alguém que anunciava que seu salário era só para seus alfinetes? Não havia sentido. Disseram que depois de ler a carta a engoliu como um apontador de jogo do bicho quando chega a polícia. Bobagem, lenda urbana. Maldade, até. Engoliu em seco, isso sim, esvaziou sua mesa e saiu tão rapidamente que não sobrou tempo para um até breve.
Parece que uma coluna social recentemente noticiara que estava passando uma temporada em Londres com os filhos, medo da violência urbana. Não era o fim do mundo para quem se viu numa situação de dispensa sem rodeios, choro ou vela. Talvez até uma recompensa por um trauma tão irreparável com que mimosamente lhe agraciou o marido dominado. É até possível que se arranje por lá em algum séquito, porque ainda deve haver algum último snob aspirante à nobreza.
Enfim, c'est la vie. Shit happens.

segunda-feira, abril 24, 2006

Salve, Jorge!


Salve, Jorge da Capadócia, salve São Jorge, santo guerreiro, co-padroeiro da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro! Abençoe a mim e a minha família, cuide para que eu tenha sempre fé, amor, saúde, trabalho e para que não me falte dinheiro. Viva, São Jorge, fiel escudeiro! Amém!

quarta-feira, abril 19, 2006

quinta-feira, abril 13, 2006

Tentação

Lá vem ele se insinuando, aquele insidioso. Aproxima-se lentamente, me olha de esguelha, depois me encara. Fica assim um tempo: me olha como se não me conhecesse, como se quisesse decifrar um estranho, depois segue seu rumo. Não por muito tempo. Volta, flerta comigo com sua autoconfiança irritante, sabe-se um sedutor. Quer me vencer pelo cansaço e temo que consiga. Ai, como me cansa resistir, como me consome esta atitude de permanente guarda sempre que ele aparece. Quanto esgotamento. Perco o sossego, perco o foco, e tenho que me concentrar, tenho coisas para ler, tenho coisas em que pensar, tenho coisas para escrever. Estou ocupada, não percebe? Não posso vadiar. De mim, só quer uma coisa: me ter na cama. Apenas isso, nada além. Não me iludo. E me faz promessas, me abre possibilidades, ele e sua miríade de possibilidades. Safado. Ele e suas tantas oportunidades. Insolente! “Porque não?” diz, sorrindo de soslaio, virando o rosto para novamente me olhar, descansando a vista num ponto em mim que não descubro qual. Digo mais uma vez que não. Entende? É não e não. Preciso resistir. Eu vou resistir.
Mas agora, a essa hora... Ah, cansei, não agüento mais. Reconheço que não tenho mais forças para resistir. Rendo-me. Estou vencida, esgotada, exausta. Morta. Trabalhei muito hoje.
Vamos, Morfeu, vamos. Vamos à cama, já é tarde.
E amanhã acordo cedo.

sexta-feira, abril 07, 2006

Volta

há um certo prazer
em revelar a verdade
e logo a você, confesso
houve um quê de revanche

seu silêncio eloqüente
sua supresa contida
ah, se eu soubesse
diria tudo bem antes

quarta-feira, abril 05, 2006

Fudevú de Cassarolê

Estávamos eu e meu coleguíssima de repartição, LP, dando conta de nossos infindáveis prazos judiciais naquela manhã comum, como de resto em todos os nossos dias úteis, talvez também os inúteis, com a costumeira sensação de sermos uns gatos correndo atrás dos próprios rabos. Militantes há muito tempo – ele, de militância, tem quase a minha idade - teclávamos sem parar, cada um no seu ritmo, em silêncio, sentados um defronte ao outro. Cafezinhos, cigarrinhos e códigos legais eram a nossa vida. Nossos diálogos, econômicos, eram mais ou menos assim: “Sollamí, os declaratórios estão no 535?”. E eu: “Sim, e o cerceamento de defesa na constituição,  é no 5º LV, não? Nunca lembro”. Seria uma manhã normal de um dia ordinário, não fosse o inesquecível 11 de setembro de 2001. Um pouco mais tarde, mas ainda pela manhã, nosso chefe, CH, entra na sala esbaforido: “Deu merda em Nova Iorque, um avião atingiu um prédio.” Acorremos ao Globo Online que já estampava a foto de uma das torres em chamas; a notícia, porém, era lacônica. “Que coisa, heim, LP? O que será que aconteceu?”, indaguei. “Sei lá”, disse ele, “mas vão ter muita poeira para limpar.” Não poderíamos imaginar quanta. Terminei um prazo, comecei outro e reapareceu CH, agora transtornado: “Meu filho me ligou dizendo que um avião caiu no Pentágono”. Paramos os dois, nos olhamos os três, e fez-se o vácuo do silêncio, a dúvida pairando no ar. Falei, meio desolada: “pô, LP, será que o mundo está acabando e a gente está aqui cumprindo prazo?" E já meio transtornada: "E agora?”, ao que me redargüiu ele, com sua costumeira fleuma, pronto para sair para o almoço, ajeitando a gravata no reflexo da janela: “Como diria aquele meu amigo que tomou posse no tribunal regional do trabalho ontem, aquele com quem eu tomo um uísque no Jockey às quartas, sabe?" E se virou para mim, categórico: "É fudevú de cassarolê, Sollamí. Fu-de-vú!”.
Nunca me senti tão fudevú.

domingo, abril 02, 2006

talvez

talvez você não saiba
porque não queira
porque não veja
mas tua presença
me é grata
e benfazeja.

Coisas Redentoras

cirurgia corretiva de miopia, xixi da cerveja, parar de fumar, dormir na própria cama depois de um dia de trabalho, telefonema de amigo no dia do aniversário, zerar a fatura do cartão de crédito, perdoar, ser perdoado, banho de mar num dia quente de verão, feriado vadio no meio da semana, feriados em geral, tirar férias e se atirar para trás, exame de saúde ok, encher o tanque de gasolina, parceiro que sabe (e gosta de) cozinhar, o sim quando se espera o sim, o não quando se precisa do não.

Coisas Medonhas

fila de banco, fila de banco com alguém à frente que usa shampoo anti-caspa, homem baixinho com calça de prega, mulher de terninho 100% poliéster, gente que acorda de mau humor, gente que acorda falando sem parar, pessoas que não opinam, pontificam, gente excessivamente blasée, gente excessivamente animada, excessos em geral, restaurante a quilo, restaurante a quilo no domingo, telefone celular, toques de celular infames, empresas de telefonia celular, cerveja quente, vinho merlot, vinho de teor alcoólico 13º, problema de atitude, ego estridente, ego indômito, academia de ginástica, cheiro de academia de ginástica, professor de ginástica que grita, falso discurso de "carmelita descalça", livro ruim, música de bate estaca, tosse, exame de saúde, sala de espera para fazer exame de saúde, acampamento, acampamento dentro de casa, perfume muito doce, naftalina, tomada quebrada, falta de papel higiênico, elevador, ataque de riso dentro do elevador, gafes alheias, gafes próprias, gafe de padre, padre italiano velho que ninguém entende nada o que fala, prova de matemática, véspera de prova de matemática, pesadelo, insônia, cachorro doente.
p.s. esta listagem poderá ser atualizada, contanto que não vire obrigação. porque obrigação é outra coisa medonha e este blog aqui é só hobby, nada de compromisso.