domingo, fevereiro 11, 2007

A Contribuição de Carlo Ponti para o Mito da Vagaba Perfeita

Não basta ser vagaba, tem que ser com estilo. É das mais deslavadas mentiras uma mulher dizer-se liberada ou vadia ou o que seja, porque são raras as que conseguem chegar no limite da perfeição, na radicalidade do conceito da vagabunda perfeita. E este é o sonho de muita mulher, sejamos francos.
Dizem alguns, até, que uma vagaba ‘a vera’ tem um espírito de vagabunda, algo que precede a sua militância.
Eu a conheci bem cedo e foi por acaso. Não era especialmente bonita, mas bonitinha. Com uma harmonia de traços e um bom corpo, sabia quem era, não tinha a ousadia de se sentir mais do que seus atributos lhe conferiam em termos físicos, como tampouco queria ser mais bonita. Era o que era e ponto. E nem precisava de mais beleza, pois tinha a perfeita noção de seu magnetismo e de sua ascendência sobre os homens.
Era séria, não de muitos sorrisos. Devia comunicar, com esta pseudo-seriedade, que se resguardava para seus eleitos - e talvez fosse isso mesmo. Vestia-se simplesmente, não havia produções maiores. Com os vestidos da época, ‘chemisiers’ que hoje vestiriam a mais pudica das donas de casa, não chamava a atenção. Mais uma de suas sutilezas furta-cor.
O fato é que era uma liberada mesmo. Como um capitalista que quer maximizar seus lucros, ela queria mais. Mais homens, mais amantes (de preferência provedores), mais sedução. Mais diversão, mais novidade. A bisavó do atual conceito de diversidade. E os abandonava, um após o outro, após o outro, após o outro. Antes que o homem pudesse imaginar um rompimento, ela o anunciava no auge da paixão e do apego. It’s over, c’est fini, finito. Punto e basta.
Eles ficavam loucos. Um deles, artista plástico rico e desajustado, cobriu-a, literalmente, de dinheiro, ela morta de rir nua deitada na cama da mãe dele, uma mansão em Roma. Pois nem dinheiro e nem jóias a seguraram. Dias depois, ele a vê, com seu vestidinho de sempre, descer uma daquelas escadarias comuns em cidades italianas feliz da vida com seu novo par. Ele enlouquece, a procura mil vezes em vão, promete-lhe mundos e fundos, ela nada. O pobre homem se consome, nunca mais pinta um quadro e é por isto que o filme se chama “Telas Vazias”, uma produção bem antiga de Carlo Ponti que eu, com os olhos estatelados na micro telinha da TV preto e branco do meu quarto (era então uma grande coisa ter TV no quarto), assisti, com onze anos de idade, na Sessão Coruja de um sábado.
Se eu tivesse talento para ser uma vagaba, teria recebido, bem precocemente, o roteiro da dita perfeitíssima das mãos de ninguém menos do que Carlo Ponti.
Ele morreu outro dia e me lembrei deste filme, do qual, na verdade, nunca esqueci.

9 comentários:

Anônimo disse...

Dona DENISE SOLLAMI...
Você escreve bem demais, garota. O seu texto "desce redondo", extremamente agradável de se ler. Parece que estamos vendo as cenas do filme que descreve, e em PB. Quem me dera ter este dom, digo isto com muita sinceridade.

E veja que detalhe interessante: você viu o filme aos 11 anos numa Sessão Coruja, ou seja, num horário "impróprio para crianças daquela idade", e, no entanto, já imbuída de um espírito crítico do comportamento inadequado da personagem principal.

Vou tentar encontrar o ´Telas Vazias´, produção de Carlo Ponti, que você diz ser "muito antiga", coisa aí da década de 60/70, o que para mim é "muito moderna"...

Um show, Denise. Tenho orgulho de ser o seu leitor.
Um abraço

Anônimo disse...

Denise Sollami, uma explicação: parece, pela minha surpresa, que eu não lia o seu blog, mas este post sobre a produção de Calo Ponti chamou especialmente a minha atenção. That´s all.
Adelino

Anônimo disse...

Gina Lolololobrígida?
Strix.

Denise S. disse...

Obrigada, Adelino. Digo que vc escreve muitíssimo bem e a prova é o seu 'Mais ou Menos Nostalgia'. Volto sempre lá por puro prazer, é uma delícia de blog.
Este filme deve ser uma produção de fim dos anos cinqüenta, início dos anos sessenta. Não é conhecido e também não sei o nome dos atores. A única coisa que sei é o título, pq nunca esqueci completamente dele.
um abraço, Adelino. Boa semana.

Denise S. disse...

acho que não, Strix.

Ricardo Rayol disse...

Eu até lembro da cena mas não consigo situar-me no contexto. Vou procurar e ver se já vi.. uma bela lição.. mas inaprpopriada para menores rs.

valter ferraz disse...

Puxa vida! que resenha vc fêz. Deu vontade de assistir o filme. Acho que uma resenha de filme ou de livro serve para isso, não? despertar o desejo de ver/assistir/ler ou escutar a obra.
Um abraço.
PS: e vc está certíssima, o Adelino escreve muito bem sim e é por isso que a gente não sai de lá, né?

CrissMyAss disse...

Rio, sec. 21: Diz o dono da Gang: No fundo, toda mulher quer ser uma cachorra.

Denise S. disse...

Cris, o dono da Gang há de querer que as mulheres assim queiram, para ele continuar a vender calça jeans feito água!