quarta-feira, novembro 11, 2009

"que painel o quê, minha filha!"

É fato: morava numa pequena rua no Humaitá e, no verão, todos os dias a luz era cortada precisamente às quatro da manhã ao ser ligado, pela padaria, o forno para assar o pão.  Aquilo era todos os dias.  De nada pareciam adiantar os abaixo-assinados dirigidos à concessionária e preparados pelo diligente síndico do prédio vizinho.  Chegava o homem  brandindo aqueles formulários, sempre esbaforido, não tinha como não assinar e a causa era mesmo justa. Infelizmente, esforço inútil, porque por anos satisfação alguma nos foi dada.  Um dia a luz faltou mais cedo, bem mais cedo, às dez da noite, e estranhei.  Nada de televisão, nada de música, mas, como se sabe, casais jovens não morrem de tédio.  No dia seguinte, às seis da manhã, acordei ainda sem luz e telefonei para reclamar.  Um alô com voz de tédio me fez intuir que não estava diante de alguém motivado no trabalho.  Fui direta: "Está faltando luz na Rua Maria Eugênia desde ontem à noite".  "Ah, é? E onde fica essa rua"?, repondeu o pouco-motivado.  "No Humaitá".  "Pode até ser" - disse ele - " mas não tem nada aqui não.  Eu cheguei agora e não tem nenhum bilhete por aqui".  "Bilhete?" - perguntei, surpresa - "Mas moço, não existe um painel à sua frente piscando onde falta luz na cidade??", ao que me respondeu: "Que painel o quê, minha filha...".  Meia hora depois a luz voltou, e pensei que provavelmente apenas eu havia comunicado o fato.  O síndico devia estar fora da cidade e, como toda a rua contava com sua extrema diligência, ninguém fez nada.  Tempos depois o vi na esquina da rua Humaitá, numa quarta-feira, dia de feira livre na Maria Eugênia, e percebi que, rodeado de mulheres, assistiam todos a troca do famigerado transformador.  Pensei que as preces da rua inteira haviam sido ouvidas, já que dos abaixo-assinados se desistira há muito tempo.
Lembrei da rua que no verão faltava luz a partir das quatro da manhã, da noite inteira sem luz e sem que ninguém reclamasse, do tal painel estilo jetson que minha vã filosofia imaginava existente, do fora que levei do atendente, da troca do transformador em pleno dia de feira livre.  Pensei nisso tudo ontem durante o apagão.  O síndico deve ter ficado indignado.     

3 comentários:

Anônimo disse...

Ótima essa história, assim como de todas as suas lembranças. Parece que vc puxou um fio e elas todas vieram. Bom, não é?

E o sindico dever ter ficado indignado mesmo. Tomara que agora ele esteja acompanhando esses desdobramentos par-e-passo. Estamos mesmo precisando de um sindico diligente :)

Aventoe disse...

Outra causa tradicional de falat de energia na pacata Maria Eugênia são os ramos de árvores mal podados que, nas noites chuvosas, batem nos transformadores e os desarmam. Outra velha batalha dos moradores, ainda sem solução...

Denise S. disse...

Ana, a memória é como um novelo de lã: vc puxa um fio e lá vem o resto...

Aventoe, árvores são uma "faca de dois legumes": a rua pode ficar mais bonita e fresca, mas a fiação não pode ficar comprometida. A sempre destratada manutenção nesta cidade.