Olho
a última foto de João Gilberto no jornal hoje, dois dias depois de sua morte.
Depois da inundação na rede de homenagens mais que merecidas a um gênio da raça
- que abençoada uma pessoa que entra para a história pelo bem que fez - aquele
olhar dele me dilacerou.
Não que seja difícil dilacerar meu coração. Não em particular quando tento manter ainda vida num coração que ultimamente parece senão em cacos, bem craquelado.
O olhar - aquela expressão em seu olhar - reconheço nos meus velhos, os que já partiram e em alguns que por aqui ainda estão.
É um olhar de espanto, de espanto com o que está diante dele - o mundo. Há um espanto ínsito ao envelhecer, ao acumular anos à própria existência. Ignoro se é pelo fato de se estranhar ainda se estar por aqui depois de tanto tempo, se é porque o mundo se tornou um lugar estranho. Minha bisavó Mathilde, sempre tão alegre, e que partiu aos 103 anos de idade em casa sem dor ou agonia, um dia me disse que “era muita vida vivida”.
Não é estar no mundo, é em que mundo se está.
Com a velocidade da mudança a cada dia maior, me inundou um enorme medo, e não apenas por mim, mas pela minha geração que aqui anda tão frustrada. Estamos ainda pensantes e pulsantes, mas correndo da imensa roda da vida que nos alcançará.
A ideia da morte nunca me pareceu má e nunca a vi como o oposto da vida, mas do nascimento. Não existe vida sem morte, tampouco morte sem vida.
Existirão, porém, anos no porvir sem tanto espanto?
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