segunda-feira, setembro 03, 2018

na roça

Vou pra roça com meu pai.  Quero ouvir o silêncio que dá um quase zumbido nos ouvidos, ler um livro sem ser interrompida, ficar ao abrigo da reverberação das más notícias.  Quero ter ao menos uma daquelas longas conversas com ele que meio que nos emocionam (sobretudo quando trazem  lembranças dos que já se foram), meio que acertam alguma ponta pendente, ou, se não acertam, mal também não fazem.  Vou ver o que o jardim trouxe de novo nesse último par de meses, ver os animais, tomar banho de rio, andar a cavalo, e com sorte chegar até o sertãozinho, onde há lindas e imensas bromélias nativas. Quero ficar despojada dessa bravata que virou viver nessa cidade.  Achar graça de ter que subir o morro para tentar uma vez por dia pegar um sinal de celular e, com sorte, acessar a internet.  Quero ir ao quilombo São José e ter dois dedos de prosa com alguém de lá que certamente sabe quem eu sou sem que eu jamais tenha me apresentado.  Sou urbana, eminentemente urbana, mas amo o mato e gosto de mim quando estou lá.  
Fico mais doce.  Talvez, mais eu.

segunda-feira, agosto 06, 2018

presente

O arboreto me abriga em sua paz
É domingo.
Mal não faz não pensar no tempo.
Ser do presente cativa,
saber que é só o que tenho
há de bastar. Haveria de me bastar
junto com a saudade que subjaz
ao domingo, ao jardim e à paz.

quarta-feira, maio 02, 2018

pagãos

É saudade e saciedade
da ausência nossa
e episódica presença
tudo o que nos vem por consequência
da nossa própria inconsequência

(talvez tardia e reiterada adolescência?)


Uma coisa sem dúvida rara

e certamente densa,
que todavia se fez do nada.
Será o permitir-se uma autoindulgência?

Quem sabe é a descoberta

do tal mágico instante
- o instante que a si se basta - 
pelos deuses de tempos em tempos ofertado
ao mortal assim resignado,
ao que no arco da vida
segue já em sua inflexão

(talvez um quê de transgressão?)


Somos nós: apenas nós

dando-nos um ao outro
o melhor de nós dois.
Somos nós, enfim: os que
ousam se despudorar,
os que se querem
- sobretudo se sabem - 
bárbaros, divinos pagãos.

terça-feira, janeiro 09, 2018

block is the new black

Percebi ter sido bloqueada no Instagram e não atino a razão.  Sendo alguém que conheço,  - mais precisamente quem considerava uma pessoa amiga - e se não tive um comportamento que minimamente possa ser interpretado como inconveniente, alguma coisa há.  Pergunto a pessoa diretamente via zap a razão daquela atitute - sim, sou curiosa - e ato contínuo a resposta já não me interessa.  Perdeu-me o interesse aquela pessoa por quem eu nutri um sincero afeto, que queria ver bem e feliz.  Sequer li a resposta. Estranho esse súbito desinteresse meu, logo eu jamais indiferente e sempre tão reativa, mas foi tão súbito quanto intenso.  Foi um super fenomenal foda-se.
Passado o pasmo inicial, engatei uma segunda e bloqueei eu mesma a pessoa que um pouco mais tarde veio a me desbloquear (se não percebo a razão da primeira atitude, menos ainda me convém agora saber a razão da segunda) e a surpresa do alívio que poucas vezes senti com tanta fervor foi inexplicavelmente intensa.  Ah, que maravilha bloquear.  Que coisa fascinante clicar sobre aqueles três pontinhos à direita e confirmar positivamente a mensagem que em seguida aparece indagando quase que in extremis se é isso mesmo que se quer fazer diante de tão nefastas consequências.  Sim, eu quero, querido aplicativo, eu quero bloquear.  Deixe-me bloquear. E não só quero como faço. E não só faço como o faço resolutamente e sem nenhum esforço além de clicar nos  tais três pontinhos e depois, hum, depois confirmar. Que coisa redentora saber que nunca mais verei quem a pessoa curtiu ou deixou de curtir em seguidores comuns; que alívio saber que desconhecerá meus passos dali pra frente.  Nada do que eu fizer estará a seu alcance, ignorará se estou aqui ou acolá, sozinha ou acompanhada, sobretudo por quem acompanhada, se de cara lavada ou não, se em minha cidade ou fora dela, se em minha rotina ou catapultada para um resort cinco estrelas que não se supõe como lá teria eu ido dar com os costados. Que poder este o do bloqueio.  Que maravilha este desinteresse que me contagiou como uma virose pestilenta de verão carioca devolvido neste simples gesto que se chama... bloquear.
Minha mais nova resolução de ano novo: bloqueie mais, mas bloqueie mesmo, sem dó nem piedade, bloqueie na vida online e fora dela,  que isto é mais do que poder, isto é mais alívio do que aquele redentor xixi da cerveja, isto é tão simples como na dúvida sobre o que vestir escolher aquele little black dress velho e bom de guerra que nunca fez feio em nenhuma ocasião.   
Eu não sabia, mas agora tenho certeza: block is the new black. Estou pronta para você, 2018.

P.S. a imagem, capturada do Google, é de Oprah Winfrey em seu emocionante discurso na 75a edição do Globo de Ouro, quando todos foram de preto em demonstração de repúdio ao assédio sexual e outros abusos pelos quais passam as mulheres.  Esta atitude agora me fez pensar que black is the new block.  Block neles!