sábado, dezembro 20, 2008

meados de dezembro


Desço a Avenida Rio Branco e percebo mais abraços e beijos do que seria o normal numa sexta-feira, uma certa expressão beatífica em todos, como se pedissem perdão pelas mordiscadas dadas no ano que se encerra. Desço a Rio Branco em meio a pessoas carregadas de sacolas, os ambulantes com chapéus de papai noel, os pontos de ônibus lotados. Desço a Rio Branco nesta última sexta-feira antes do Natal e, sem querer pensar no ano que acaba, sem pretender balanços, o papel picado jogado pelas janelas precocemente não me concede essa inocência. Desço a Rio Branco na esperança que o ano vindouro seja melhor, na certeza que estão encerradas minhas compras de Natal e que teremos todos uma noite muito feliz. Feliz Natal!

foto capturada na Internet

segunda-feira, dezembro 01, 2008

primeiro de dezembro


Um ano como qualquer outro, em que coisas boas acontecem e coisas ruins também. Nada de muita surpresa, uma imensa satisfação porque meu pai se safou mais uma vez, porém não o meu cachorro. Perdemos o Zeca, uma vida que foi escrita junto com a nossa, tanto afeto e amizade compartilhados, de me fazer crer que as pessoas deveriam ter um cachorro antes de pensar que sabem alguma coisa sobre amizade. Depois veio a avalanche midiática daquele casal medonho e a garotinha morta, a chatice repetida ad nausem do joelho do Ronaldinho (ô assunto), uma inundação de praxe, não há ano que passe batido sem uma desgraça natural, uma amiga que espantou a depressão, ela bem à sua porta, outra que se reconciliou com o marido para o bem de todos e felicidade geral, outra que se livrou do dela e parece que em boa hora. Uma crise financeira mundial que ninguém imaginava, o candidato afro-descendende enfim eleito (menos mau), o prefeito péssimo que já vai tarde (menos péssimo), nenhum bom filme, desses de causar impressão cinematográfica plasmada na memória, mas uma peça de teatro linda, os Beatles e apenas eles, suas canções maviosamente interpretadas, eu com os olhos rasos d’água ao ouvir “Something”. Ah, meu Tio Carlos que se foi também, embora já tivesse partido há tempos (não era mais ele), e parece que o casarão na Gávea ficou de todo vazio. Uma primavera feia, chuvosa, cinza e chata, um céu azul em Lisboa de matar de inveja qualquer carioca órfão de uma bela primavera, uns três meses do ano trabalhados só para pagar imposto de renda na fonte e outros tantos de azul desperdiçado num cinza que nada desfazia. A vida, a vida, a vida, agora o Natal, o réveillon e depois tudo de novo.

foto capturada da Internet, Barack Obama em Berlin aos 24 de julho de 2008, diante de 200.000 pessoas. Para mim, é a foto do ano.

sábado, novembro 29, 2008

o gato do cachorro

Singrei o Aterro do Flamengo hoje mais uma vez debaixo de chuva. Só pode ser essa insistência úmida a me melar o humor, a me deixar nessa zona grísea de indigestão espiritual. Mais uma vez acordo com o sol à espreita e vou me deitar sob um chuvisco insistente. Que saco! Essas coisas têm um efeito deletério sobre a gente. Por exemplo: nunca mais vi aquele deus grego, aquele que corre na pista do aterro com seu cachorro todo dia por volta das nove e quinze da manhã, um corpo esculpido em tudo e por tudo à semelhança do Criador. Que maravilha da natureza - e que natureza! Um impávido colosso. Pois desde que chove desse jeito a criatura sumiu. Ele e seu cachorro abandonaram o exercício matinal e deixaram minhas retinas viúvas daquela visão do paraíso. Pergunto aos quatro ventos: cadê o gato do cachorro? Cadê?


foto de Ernesto Martins

quinta-feira, novembro 20, 2008

'sem compromisso, mas com responsa'

A frase do título não é minha, é aforisma do blog do Oldon. É ótima. Lembrei-me dela porque diz a Cora Rónai em sua crônica publicada na edição física do jornal O Globo de hoje que escrever sobre livros de amigos cronistas, pares de redação, é meio delicado - há sempre novidades, alguém publicando alguma coisa, e fica parecendo algo quase-cabotino. Não tenho esse pudor, não me sinto constrangida de falar bem de livros de autoria de amigos meus colegas de profissão; apenas não o faço porque, sinceramente, obras jurídicas aqui dariam traço no Ibope. Mas o livro do Arnaldo Bloch é realmente muito bom ("Os Irmãos Karamabloch", Companhia das Letras). Fui no lançamento na terça-feira, o comprei, e, do que li até agora, adorei. É muito bem escrito, uma história espetacular. A saga dos Bloch é cinematogrática e ouso jogar as fichas em que esse livro vira um filme, um docudrama. Quem sabe? Portanto, assim que terminar de ler "Leila Diniz", de Joaquim Ferreira dos Santos, com quem ultimamente me pego com total delícia naqueles meus vinte minutos antes de dormir (com o livro, bem entendido), é no do Arnaldo que vou me jogar. Não há nada melhor do que ler um bom livro e melhor ainda se foi escrito por alguém de quem se gosta e se admira pelo talento e pela gentileza. Não apenas declaro (sem compromisso), como assino embaixo - com total responsa.

outro despudor, a dedicatória que me fez AB: "À Denise S, tradicional amiga de e'mails e blog, e também de uma chuvosa feijoada no Jobi de ótimas lembranças, com um beijo do Arnaldo"

quinta-feira, novembro 13, 2008

dias nublados virão


Setembro começou muito quente, um calor de 36º C à sombra, eu nem sabia o que mais podia propor a uns amigos estrangeiros que teimavam em largatear na praia. Não titubeei em lagartear junto, era a fome e a vontade de comer. Depois viajei, um sol de rachar; quando voltei, soube que aqui chovera o tempo todo. Desde então não vi mais nenhum dia amanhecer ensolarado. Tem dois meses isso. Chove, chove, chove. Para piorar, há uma névoa densa e úmida pela cidade. Detesto esse clima de floresta tropical porque, além de me sentir mal fisicamente, tenho a impressão de que fica todo mundo de bode, com uma burrice crônica, uma idiotia. É horrível. E, se as nuvens insistem em assolar o Rio e emburrecer a todos, o resto da humanidade resolveu teimar do fundo da alma que tudo vai mudar porque Barack Obama foi eleito. É claro que adorei sua vitória, que fique claro. Mas insisto em achar que, à exceção do clima carioca, que até pouco tempo atrás tinha a primavera ensolarada e ventosa, nada muda tão rápido. De mais a mais, ele não é um furão da questão racial e seu determinismo, como o o Ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, por exemplo (reparem: filho de pedreiro, estudou sempre em instituições públicas e foi aprovado em concurso público para Procuradoria da República). Para piorar a burrice que anda a todos sobrepairando, ontem ouvi a pérola de que o Brasil vai precisar de 'anos de educação' para eleger um presidente afro-descendente. Agora, me expliquem: se nós elegemos um ex-operário, porque raios precisaríamos de 'anos de educação' para eleger um afro-descendente? Aposto que é culpa das nuvens!
p.s. a foto é de Ernesto Martins, que, pelo jeito, não perdeu o bom humor com tanto tempo nublado.

terça-feira, novembro 11, 2008

blind date




Blind dates são, por natureza, constrangedores. Alguém anteviu alguma afinidade entre você e um amigo e armou o encontro. Você não quer ir, mas cede; quase desiste, mas segue em frente. Ficam os dois ali, meio que se entreolhando, num ritual de aproximação quase indígena, vai um espelhindo daqui, vem uma pena em troca de lá. É o meio de cultura ideal para a infecção pelo vírus da gafe. E uma gafe é algo mortal numa situação dessas, capaz de catapultar seu sujeito ao total esquecimento do outro, ou, pior, ao escárnio pelas costas com o amigo armador do encontro. Fazer o quê? Uma gafe, por definição, é uma inconveniência não-deliberada; se deliberada fosse seria uma grosseria. Dessas coisas horríveis da vida. Tenho sempre um pouco dessa sensação de blind date com autoridades de outro país e é bem assim que me sinto em relação ao presidente eleito Barack Obama. O fato de ter que conviver com alguém não-escolhido por mim que, mesmo distante, é capaz de me afetar por uma decisão sua, me traz essa sensação. É estranho, mas é verdade. O pior é que ele próprio já cometeu uma gafe e foi alvo de outra. Que coisa! Espero jamais encontrar com esses blind dates. Temo cometer uma gafe incontornável. Já pensou criar um incidente diplomático?
as fotos, capturadas da internet, mostram o que um amigo me disse ser uma das mais valiosas qualidades de um político: ter um belo sorriso e uma expressão agradável, amistosa.
há um artigo chamado "Barracobama ou Tem Branco no Samba", de Mathilda Kóvak, publicado no Cronópios, portal de literatura e arte, que vale a pena ler. É, no mínimo, polêmico.

domingo, outubro 26, 2008

órfãos das diretas já



Essa crise financeira mundial, diuturnamente propalada como a crise das crises, os líderes mundiais volta e meia reunidos, os Tesouros europeus abrindo seus cofres, a inusitada proposta de se refundar o capitalismo, os economistas de plantão com os jornalistas e comentaristas de volta às bancadas, tudo isso pareceria um pão dormido não estivesse o Brasil, dessa vez, dessa única vez, fora do furacão. É tão difícil acreditar que consultei minhas bases, meus pares de geração e refrescamos a memória: formados na primeira metade dos anos 80, mal começávamos a ganhar a vida e quase sucumbimos ao plano cruzado, ao plano bresser (parece que deste houve duas versões, não me lembro mais), ao plano verão, ao plano collor, ao confisco da poupança e etc. Na época eu pensava que tudo isso era culpa de a proposta Dante de Oliveira não ter passado e que os deuses nos puniam com aquele arremedo de dobradinha Tancredo-Sarney, malfada em tudo e por tudo. Sentia-me irremediavelmente órfã, tendo que me virar, e era difícil se virar com 1% ao dia de inflação. Não havia over-night que desse jeito, tampouco explicação que bastasse para meu marido estrangeiro que não compreendia a desvalorização diária da moeda. Sobrevivíamos todos mal, aquém do nosso potencial e esforço. Levava-se a vida, pedindo-se por saúde - e olhe lá. De nada adiantou aquele mega-comício, o qual assisti de camarote num quarto que (espertamente) aluguei com uns amigos no Hotel Guanabara, em plena Avenida Presidente Vargas. Nessa época fatídica, para piorar, o Rio inundou, a falência da cidade foi decretada e numa manhã, saindo para trabalhar, depois de 24 horas de chuva incessante, vi aturdida algumas pirâmides de areia na bucólica rua que então morava no Humaitá. Portanto, não admira que tenho ficada tão pasma com a declaração do presidente do Citigroup, Bill Rhodes, publicada na edição física do jornal O Globo de 14 de outubro, reportagem de José Meirelles Passos de título "Acho que Deus é realmente brasileiro". Diz Rhodes: "Se algum país é capaz hoje de domar essa tempestade que enfrentamos é o Brasil. O que me incomoda é os EUA não terem aprendido com as lições da América Latina. Os EUA passaram décadas ditando regras. Acontece que os estudantes cresceram e se tornaram professores." Então é isso mesmo? Quer dizer que toda aquela minha orfandade não foi em vão? Passaremos incólumes, ou quase, de toda essa turbulência? Não será como nas recentes crises da Coréia ou da Rússia? Aprendemos todas as lições? E será que Deus é mesmo brasileiro? Só falta agora São Pedro ser carioca, esse verão não inundar a cidade e o Gabeira, enfim, ganhar.

Fotos do meu arquivo pessoal. A primeira são crianças encantadas no Oceanário de Lisboa; a segunda sou eu, virando criança de novo no Oceanário.

segunda-feira, setembro 01, 2008

Zeca e o Silêncio

Primeiro eu queria falar sobre a bocada de que dispuseram os blogueiros na cobertura da convenção do Partido Democrata nos EUA: uma tenda com variadas mordomias, mil comidinhas e bebidinhas, tudo patrocinado pelo Google. Li numa edição física do Globo, reportagem de José Meirelles Passos, ele mesmo um blogueiro da quintessência da blogosfera que, vá entender, não deu essa notícia no seu próprio blog. O fato significativo é que há quatro anos atrás foram cadastrados 40 blogueiros para a convenção e agora mais de 500. Depois pensei em falar sobre a última crônica da Cora Rónai em que conta sua alegria de haver recebido um livro de uma blogueira que admira e freqüenta, e por quem também é freqüentada. Não me lembro mais do seu nome nem de seu livro, separei o jornal e não sei onde o guardei.
Não falei e acabei perdendo o fio da meada.
Quis também comentar um texto da Dira Paes publicado na Revista do Globo de 24 de agosto chamado “Eis o mistério da fé!”. Com muita doçura e precisão, Dira consegue dizer o que para ela significa ter fé e, sem pieguice ou tom messiânico, descreve uma ocasião em que estava em especial comunhão com a natureza e que percebeu haver recebido um sinal, tempos depois identificado como o anúncio da gravidez que viria. Espero um dia conseguir falar sobre o que para mim significa ter fé, algo que me veio tardiamente e que também se revela, a cada vez , de forma bastante singela. Não mudei de religião, não me converti a nenhuma seita, não foi nenhuma ruptura com nada. Um dia falo disso.
Mas o que eu queria mesmo era conseguir falar sobre o Zeca, meu poodle por 13 anos, alguém que me ensinou imenso sobre amar e sobre cuidar. Fomos incondicionalmente amigos um do outro. Ele partiu, nos deixou no dia 19 de agosto. A casa está vazia, assim como vazio está meu coração.
Mas disso eu não consigo falar.



foto do meu arquivo pessoal, Zeca atendendo a um dos comandos de que mais gostava: "vamos viajar?"

sexta-feira, agosto 01, 2008

na virada do mês

O mês vira e minha caixa de correio transborda de faturas, revistas, informes, propagandas, contas, contas, contas. Meu e-mail também transborda de inutilidades, “isto é spam, isto é spam, isto é spam"; a caixa de entrada do celular idem e lá vou eu “excluir, excluir, excluir”.
O mês acaba, um novo começa, o mesmo assédio. O tempo voa, as semanas correm, os dias parecem arrastados.
A velocidade, o tempo, o descompasso.
Benfazeja a greve dos correios mês passado.

quinta-feira, junho 26, 2008

junho

Junho chegou com suas manhãs enevoadas,
os aeroportos fechados,
alguma chuva.
Me fez lembrar um livro que já li
um perfume que costumava usar,
algum lugar que nunca mais fui.

Como todo ano,
junho me trouxe uma nova primavera em pleno outono
e também teve cara de inverno
e fez dias quentes como no verão.

Este junho, porém, conteve a vida toda
o mundo todo
(você e eu)
e muitos instantes.

quarta-feira, abril 30, 2008

isso de olhar a lua

Este mês de abril já vai tarde. Pensando bem, não é um bom mês, historicamente é dito o mês dos resfriados e da declaração do imposto de renda. Este abril, em particular, foi muito estranho. Não fiquei resfriada, porém não me consolou pensar que deveria me dar por satisfeita por não ter pego dengue. Da declaração de imposto de renda, porém, não escapei. Quem escapa?
Peguei total implicância com abril. É estranho isso de implicar, nem sempre faz sentido, eu deveria gostar de abril, é o início do outono e adoro o outono - a luz fica mais sutil, menos amarela, ao olhar o mar se vê o horizonte bem definido, o céu num azul um pouco mais claro do que o tom "azul noturno" do mar. É como se o Rio deixasse de ser um quadro de Gauguin em sua fase tahitiana, com seus tons amarelados e alaranjados, e ganhasse uma paleta mais suave. Os dias em abril também ficam mais frescos, o sol, mais ameno, a praia, quase vazia.
Chato ter pego implicância. Mas é que este abril em particular, além de dengue e da famigerada declaração, conseguiu o terrível feito de reunir duas tragédias marcadas por estranhas crueldades, ambas igual e massivamente noticiadas pelas mídias locais. E esta crueldade toda fez com que tanto no Brasil quanto na Áustria tenha havido o mesmo efeito aterrador que o ato de se confrontar com os elásticos limites da crueldade humana causa.
Li há pouco que os meninos austríacos (do algoz filhos e netos ao mesmo tempo), antes prisioneiros e agora libertos, viram finalmente o mundo pela primeira vez. Tudo os impressionou, em particular a lua. Encantaram-se ao olhar a lua, nunca a haviam visto. Foram, por anos, privados de olhar o céu, algo tão fundamental.
Que bom que este mês de abril acabou! E que bom que a lua em maio é sempre linda.

quarta-feira, março 12, 2008

bem, obrigada


Você me pergunta como vou
pergunta assim, impunemente
vou bem, vou como sempre
singrando entre temerários
e uma ou outra histérica.
Agora ouço “samba da benção” sempre que dirijo
e todo dia me enleva,
me traz diálogos imaginários com o poetinha.
Ando vendo muito pouco os amigos
e sentindo uma estranha saudade de mim

de mim num tempo em que tinha tempo
pra mim.

sábado, março 08, 2008

Fala, Vovó!

Consta que hoje, 08 de março, é o dia internacional da mulher, e me lembrei logo da minha avó materna, a mulher mais internacional que conheci. Vovó foi mesmo a matriarca de todas estas que hoje estão aí envergando sua boa forma e desdenhando a idade, no pressuposto que sempre há uma geração vanguarda que facilita as coisas para as que vêm a seguir. Uma contradição em termos, minha avó: criada em internato de freiras, ao se casar, e começar de fato a viver, foi pioneira em algumas coisas naquela cidade em que morava, no distante extremo sul do Brasil: dirigir, por exemplo. Usar vestido tomara-que-caia também. Abafou num modelo preto, copiado da revista Burma, num baile do Clube Comercial (“freqüentei muito a sociedade”). Recebia imensa influência da Argentina, próxima fisicamente e muito cosmopolita àquela época. Buenos Aires era um destino freqüente, e sempre fazia um enxovalzinho de inverno para os filhos. Construiu sua casa inspirada em fotos de revistas americanas, cuja novidade absoluta era uma entrada circular para o carro, por ela concebida de maneira a permitir sua parada bem em frente à porta. A chuva fria do inverno gaúcho nunca mais atrapalhou ninguém, tampouco os penteados glostorados daquela época. Vovó pensava em tudo. Depois, quando a família veio morar no Rio, na década de 50, elegeu Copacabana como seu território, mas não quis morar em frente à praia, como seu cunhado: o barulho do mar atrapalhava sua noite de sono. Também não quis um apartamento muito grande. Prática, quis facilitar a vida. Foram anos douradíssimos até que enviuvou, em 62. Minguou um ano, contristou-se, chorou até secar as lágrimas, definhou. Passado o luto fechado de preto absoluto que então se usava, fez uma plástica e foi visitar uma amiga que morava na Califórnia. Foi o recomeço. Beverly Hills era muito divertida nos anos sessenta, a sociedade americana muito liberal, de maneira que namorar um pouco, inclusive um homem mais moço, não foi um problema (não sei bem a razão, mas fiquei depositária de uma carta dele para a vovó, uma carta singela, nada de mais, à exceção de uma frase muito insinuante que não confesso para a mamãe nem por um decreto). Teve alguns outros namorados também, inclusive aqui no Brasil, e para eles mostrava uma foto minha eu bem criancinha. Essa coisa de ser avó revelava um pouco a idade, e sua idade era um segredo de estado. Vivia viajando. Conheceu o mundo todo, contava os lugares que não visitara. O espírito aventureiro foi herança de seu pai, um italiano que fugiu de casa aos 16 anos para não entrar para a Marinha, tradição familiar, e, clandestino num navio, foi dar com os costados no sul do Brasil. O mundo, a bem da verdade, era pequeno para sua mente curiosa. Tocava muito bem piano e acordeão, tinha uma boa voz (“minha voz foi melhor, as freiras a estragaram quando me obrigaram a cantar no coro num dia em que estava resfriada”), fazia a posição invertida da yoga para melhorar seu aprendizado de inglês (anteviu a evidência hoje proclamada de que o sangue à cabeça melhora a memória), cozinhava uns pratos italianos, e contas só fazia de cabeça para exercitar o raciocínio. Tinha um grupinho de amigas, eram todas meio parecidas com ela, passeavam muito juntas, ela sempre dirigindo seu fusquinha branco, sempre de cabelo feito, sempre arrumadinha. Vovó foi de vanguarda, mas vanguarda discreta. Detestava a vulgaridade. Ela me ensinou muita coisa com seu jeito original. E me faz uma falta enorme. Vó, nunca te disse antes, mas digo agora: esse tal dia internacional da mulher é a tua cara!

quarta-feira, março 05, 2008

este céu de hoje


hoje este céu de algodão doce
atiçou imenso minha gula
queria poder provar deste açúcar
deste açúcar onde moram os anjos
(foto capturada no google imagens)

sábado, março 01, 2008

feliz aniversário, moça!



Dizem que uma cidade é a imagem e semelhança de suas nativas. Paris é uma senhora elegante, Londres uma mulher um tanto excêntrica, o Rio de Janeiro, uma moça desabusada, sensual e despojada. Parece verdade e faz um certo sentido se se imaginar que uma cidade é como a casa de uma família, em que haverá a marca de sua dona ali posta de forma a lhe dar uma identidade particular. A moça sensual, despojada e desabusada, porém, anda meio carente. Não se acerta com nenhum namorado – ultimamente, então, acreditou num que lhe prometeu mundos e fundos e acabou por receber apenas os piores fundos, porque ele se esqueceu dos lindos e doces mundos prometidos como se jamais os houvesse mencionado. Anda triste esta moça, anda cansada, anda sofrida. Mal-ajambrada, precisa fazer as unhas, ir ao dentista, dar um corte no cabelo. Não vai. Está tomada por uma letargia que a impele ao esquecimento de si mesma. Nem se olha mais no espelho e tampouco gosta de ver fotografias, lembra-se do quanto foi bela e festejada e aí a tristeza é pior. Anda sofrendo com umas turbulências de saúde também. Volta e meia cai doente. Viver nem sempre é fácil. Porém, como também dizem que quem foi rei não perde a majestade, a moça tem um fã clube persistente e muito militante. Há mesmo vários fãs clubes de além-mar. E charme, como se sabe, não envelhece. Então hoje, dia de seu aniversário, eu queria dizer que você é linda, sempre foi, ainda é, que todos nós adoramos você e que estamos na torcida para que este tempo difícil passe logo. Feliz aniversário, moça! E que teus padroeiros, São Sebastião e São Jorge, te abençoem sempre.

(foto do meu arquivo pessoal, o Cristo Redentor visto do Jardim Botânico)

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

A Superterça, o Mardi Gras, Hillary Clinton e Erica Jong: Coincidências de 2008


E não é que a superterça este ano cai no Mardi Gras? E não é que este ano o Dia de Iemanjá caiu no primeiro dia de Carnaval? Originalidades de 2008 à parte, me surpreendi ao ver, na edição física do Globo, um artigo escrito por Erica Jong para o Washington Post sobre Hillary Clinton. É que, coincidência das coincidências, o que parece ser o denominador comum deste ano, estou terminando de ler um livro desta autora chamado “Medo de Voar” que, lá pelos 70’s, fez a cabeça de muitas mulheres, minha amiga Marcia incluída. Então adolescente, Marcia vivia brandindo o livro como panacéia para todos os nossos males, como oráculo esclarecedor de todas as nossas dúvidas, e talvez tanta certeza de sua parte tenha gerado certa desconfiança em mim sobre aquela sabedoria toda. Mas o destino tem lá seus caminhos e, passados trinta anos, não titubeei ao comprar (por um real), num bazar de caridade ali na Rua Canning, pertinho de onde a Marcia morava, outra coincidência, uma edição bem antiga deste livro. Não surpreende que Erica Jong tenha feito a cabeça de tantas mulheres - sua descrição da “mulher fálica” e do “sentido masculino da territorialidade” são absolutamente atuais. O resto é o feminismo em seu nascedouro e puro estado, tendo a história mostrado que a liberdade sexual da qual desfrutou sua geração - materialização do ideário feminista - sucumbiu ao perigo da AIDS. Porque, com franqueza, aquilo sim era liberdade sexual.
E não é que a síntese de Hillary descrita por Erica Jong é desprovida de qualquer feminismo radical? Observa Jong que Hillary sempre esteve ao lado das mulheres e das crianças americanas e que são estas as pessoas mais oprimidas daquele país. Aí está uma verdade universal: os destinatários históricos da opressão sempre foram (e são) as mulheres e as crianças, não importa em que país estiverem, no ocidente ou no oriente. E, entre tantos fatos que pontuaram a trajetória de Hillary, Jong destaca esta defesa como a justificativa para ela haver se tornado sua candidata à presidência.
E não é que Erica Jong, trinta anos depois, se revela incrivelmente lúcida e imensamente sensata?

foto capturada do www.nyt.com

segunda-feira, janeiro 28, 2008

Olivia e seu Montinho


Outro dia fui ver Luiz Melodia no Rival e adorei. O Negro Gato está batendo um bolão neste novo CD "Estação Melodia", que tem apenas com músicas da velha guarda, de Oswaldo Melodia, seu pai, a Cartola. A banda que o acompanha no show é a fina-flor dos virtuoses, só tem fera. Foi ovacionado e o povo não sossegou depois de um super super bis.
Já estava, portanto, satisfeita pelo fim-de-semana, quando quis o destino que, no dia seguinte, num domingo, acabasse por assistir Olivia Byington no porão da Casa de Cultura Laura Alvim. Nunca vi um show tão original: além de cantar as canções do seu CD há pouco lançado, em que todas as melodias são de sua autoria, canta antigos sucessos (quem poderia se esquecer de "Lady Jane"?), desfia aquela sua linda, maviosa voz, e conversa, conta história, muita história.
É aí que entra o tal "montinho". Não vou ser estraga-prazer, porque é apenas uma pequena parte e muita coisa é dita em cena, mas vale para mostrar a delicadeza que permeia o show. É o seguinte: disse Olivia que, numa de suas conversas com o finado poeta Cacaso, de quem era amiga, ele comentou que no Brasil se tem o perverso costume de se "soprar montinho". Indagado sobre o que seria isso, ele lhe explicou que "montinho" é tudo o que se vai vivendo, vendo, ouvindo, sentindo e experimentando nessa vida e que, do nada, se chega e - puf! - assopra-se sobre ele. Verdade ou não, se é hábito ou não do brasileiro varrer da memória as lembranças, desfazer-se da própria bagagem assim do nada, não sei; porém, estou certa que assistir este show forma um pouco a sensibilidade da gente.
E é por isso que doravante esta performance de Olivia Byington em "a vida é perto" estará indelevelmente no meu próprio montinho.