domingo, dezembro 13, 2015

sobre as marcas deléveis e a semana na inusitada política brasileira

Há duas coisas que não se compadecem da pós-modernidade: a caligrafia e a voz.  Duas marcas tão pessoais, tão particulares e tão indeléveis que estão se perdendo.  São poucas as ligações de telefone; a caligrafia, basicamente, inexiste.  No entanto, basta ler uma carta manuscrita que por alguma razão tenha sido guardada, ou um bilhete, ou uma anotação em agenda ou caderneta de telefone para se pressentir a presença de quem manuscreveu.  Da mesma forma, a voz, hoje reduzida àquelas pessoas da convivência mais íntima, a um entorno muito apequenado, cedeu a mensagens enviadas via aplicativos.  No lugar do calor de uma frase dita, e portanto ouvida, há fotos, mensagens, filmes. Mas nada disso substitui um pequeno bilhete manuscrito ou mesmo a voz de alguém.  O mundo digital substituiu muita coisa - mas substituiu muito mal. 
De outro lado, há coisas que permanecem - o péssimo nível da política nacional, por exemplo.  Na semana que passou, tão bem retratada na coluna de Arthur Xexéo desta semana, viu-se cenas de pugilato no Congresso, como por vezes se vê na Coreia (tenho boa memória), uma carta do vice-presidente à presidente que jamais seria digna de quem ocupa tão elevado cargo na República (algo infantil, do tipo "magoou" ou "estou de mal, come sal, na panela de mingau"), e por fim, mas não por último, uma Ministra de Estado  que, numa festa, ao não gostar de ser chamada de namoradeira por um político de escol, não titubeou: redarguiu com veemência e jogou-lhe o vinho que tinha no copo. 
Abstraído o inusitado da cena, tenho que admitir: Kátia Abreu, quem diria, você é das minhas -  gosta de tudo bem a vera.
  

quarta-feira, novembro 18, 2015

"Nós Sempre Teremos Paris"

Será que ainda teremos? 129 pessoas mortas e outras tantas feridas foi quase como morrer de susto.  Aliás, entendi o que se sente quando se diz ter quase morrido de susto.  Como alguém pode invocar o nome de Deus para uma matança como esta é algo que escapa à racionalidade até dos bem perversos, na presunção de que a perversão, como tudo na vida, tem lá a sua previsibilidade.  O que me choca no terrorismo é a exportação do conflito para quem não é parte dele, para quem não resolveu lutar, para quem, em suma, não tem nada a ver com o assunto.
Não que não sejamos globais, não que ignoremos o efeito borboleta, a teoria do caos, longe disso. Faz tempo que sabemos que somos um, que a nave é por muitos compartilhada, mas também que não é igualmente compartilhada.  Não somos iguais, tampouco a democracia é ditadura da maioria, e nada disso é novidade. Sequer inova um ataque terrorista de grandes proporções no primeiro mundo ocidental.
O inédito é que aconteceu em...Paris.  E com a crueldade típica do terrorismo de fazer de vítimas pessoas normais, como comensais à mesa e torcedores reunidos no estádio.  A sensação de "eu podia estar lá" é comum, porém não admira: todo mundo viaja o tempo todo para algum lugar.
A novidade é que aconteceu na Paris que não é mais a mesma Paris - e talvez por isso mesmo o parisiense tenha sido tão atingido.  Nesta hora em que se olha para dentro, certamente se perguntaram: no quê nos transformamos? Onde estamos, afinal? É um pouco como se sentir hóspede na própria casa ou como não se reconhecer ao se olhar no espelho. 
Faz tempo que a senhora elegante perdeu a elegância.  Aliás, ver o que é típico parisiense é quase como fazer um safári nas savanas e topar casualmente com uma onça depois de horas. A senhora mudou, perdeu em charme, em originalidade, em romantismo.  Não é mais bom abrigo para os apaixonados.  Não serve mais de cenário a uma lua de mel ou a encontros amorosos, como fez no passado.  
Paris não é mais a mesma. E desde o acontecido me dei conta que também eu não me sinto mais a mesma sem a Paris que, um dia, tive a sorte de experimentar.

quarta-feira, outubro 07, 2015

a história de Cupido

Os anjos não têm sexo, todos sabem.  Rectius: quase todos.  Há uma milésima percentagem que, desafiando a sina outorgada pelo Altíssimo, aqueles que na versão humana recebem a qualificação de recessivos, têm sexo - masculino, feminino, e (por que não?), terceiro sexo. Cupido nasceu do sexo masculino, um lindo anjo de bochechas coradas que, ao chegar a adolescência, percebeu-se diferente de seus pares (ímpares?) no coro a que pertencia.  Não se sentia bem daquela forma; sentia ultimamente as asas diferentes, pesadas, os vôos haviam ficado mais curtos e já não tinha nenhuma motivação para cumprir as ordens que recebia dos Arcanjos.  Arrastava-se pelos ares, refestelava-se preguiçoso pelas nuvens e, quando lhe destinavam um posto de guarda em reforço ao anjo titular, morria de tédio.  Então, quando as coisas já estavam caminhando para um caso raro de depressão angélica, recebeu um torpedo que lhe dizia para procurar sua "cara metade".  Não fazia ideia do que era aquilo, mas não foi difícil descobrir.  Difícil seria conseguir permissão para procurar a tal cara metade.  Sim, era possível a um anjo com sexo procurar seu par, contanto que autorizado. Venceu bravamente as várias instâncias e, diante Dele, tímida, mas resolutamente, pediu permissão. Conseguiu-a, ao mesmo tempo em que foi advertido de que apenas poderia ter vida conjugal se sua eleita também o quisesse.  Do contrário, seria imediatamente revertido à condição que naturalmente deveria ter e que, por acidente, não tinha - a dos anjos assexuados.       
A tarefa de encontrar sua cara metade não era fácil, porque eram poucos os anjos com sexo e haveria de ser alguém que também o quisesse.  Vasculhou a imensidão do universo de todas as formas, tocou suas trombetas, fez sinais de fumaça, cantou em todos os coros que encontrava pela frente.  Despiu-se de sua timidez e tédio e superou-se a si próprio.  De uma coisa tinha certeza: se não a encontrasse, certo era que não seria mais o mesmo.  No mínimo, subiria na hierarquia angélica.  Quando menos esperava, a encontrou: linda, pura, com asas translúcidas e olhar triste. Um sonho, um sonho de criatura. Mas... ela não o quis. De nada adiantaram suas românticas investidas, suas serenatas e sinfonias. Ela declarou, com seus lindos olhos tristes rasos d'água, que tudo era perfeito, mas que nada tocara seu coração. Não era ele a sua cara metade.
Cupido resolveu que não procuraria mais ninguém.  Conformou-se a ser um anjo sem sexo, mas não quis nunca mais cumprir as ordens que lhe davam.  Fez a Deus um último pedido e foi atendido - o de passar a eternidade ajudando os humanos a encontrar seus pares.  Para que elas, as felizardas criaturas que nascem com sexo, tentassem ser felizes como ele não pôde ser. 
Desde então, continuam todos tentando, Cupido e humanos.    

terça-feira, setembro 15, 2015

oscilante

a massa de ar quente resoluta
resiste à invasão bárbara da frente fria
faz do vento ardiloso mensageiro
de intrigante e cáustica armadilha

cede ao úmido uma quase-primavera
toma de cinza a manhã inteira
forceja sua presença pouco alvissareira
uma súbita e densa atmosfera

o pêndulo presume-se oscilante
como a nuvem que espero passageira
certo é haver semana demais
no cansaço desta sexta-feira

terça-feira, abril 14, 2015

Rio Nicolas Tours

Para quem quiser fugir do lugar comum do turismo no Rio, visite www.rionicolastours.com.br. Para pequenos grupos, com guia francófono. É genial! 

Guide privé francophone à Rio: visitez www.rionicolas.tours.com.br.  C'est genial!

terça-feira, março 03, 2015

A Carta de Deus

"Muito bem, Dona Fulana, um momento de decisão e vc não sabe exatamente que rumo tomar.  E vc nunca saberá enquanto não entender certas coisas a seu respeito.  Se vc tomou a decisão certa de escolher a profissão que escolheu, e o marido, e o divórcio, e a mudança de país e tudo o mais parace que não é questão.  Ótimo, assim não é a vida toda que está em xeque.  Ótimo? Não, péssimo. Uma coisa está ligada a outra, que está ligada a outra, que está ligada a algo que parece que nunca te ocorreu pensar.  Uma coisa que tem origem no seu irmão e na sua mãe. Ou melhor, em como vc se relaciona com eles.
E por que vc nunca se relacionou verdadeiramente com eles? Por que esta visão que seu irmão, por ser mais novo, é alguém "menor" e que, por isso, não compreende bem vc ou não entende as coisas da vida? Vc nunca percebeu que seu irmão sempre foi de uma fidelidade canina a vc, assim como a sua mãe, muito amorosa.  Vc preferiu vê-los como pessoas muito simples, não tão espertas ou inteligentes quanto vc.  Vc varreu os dois para debaixo do tapete e o fato de não ter tido no seu irmão e na sua mãe os melhores amigos que vc poderia ter fez com que vc estivesse agora nessa encruzilhada diabólica. A vida toda vc preferiu se relacionar apenas com seu pai que, vaidoso como vc, fez de vc, sua filha mais velha e muito esperta e muito inteligente, uma extensão dele mesmo.  Como vc errou.  Espero que não erre mais.       
Veja o seguinte: seu irmão e sua mãe quiseram estar perto de vc em todas as suas vitórias, assim como em todos os seus momentos mais difíceis.  Além de vc não ter permitido uma aproximação, vc os esnobou algumas vezes.  Por exemplo, não fez questão de estar aqui quando seu irmão se casou, não participou ativamente da doença de sua mãe, sequer estava aqui quando ela veio a falecer. Se disse surpresa com o rápido desfecho da doença.  Se estivesse a par da situação, saberia que eu a estava chamando rápido - é uma doença rápida mesmo. O casamento do seu irmão foi um dos poucos momentos de imensa alegria nessa família, porque todos adoravam o casal e eles demoraram a se decidir.  Foi o casamento mais alegre que já se viu, a familia e os amigos todos reunidos, coisa bem rara, mas vc estava muito ocupada pensando em sua tese de mestrado.  Uma bobagem, ainda havia muito tempo pra isso.  Eles também quiseram muito estar perto de vc quando vc se divorciou, porque aquele foi um momento de muita dor para vc, e vc não deixou que sequer chegassem perto, só falou com seu pai e ele nada disse para ninguém. Vc sequer informou o resultado que obteve com sua tese, pensou que eles não saberiam valorizar. Novamente, apenas falou com seu pai. Que esnobe.
Eu não escolho irmãos por acaso.  Vc tem muito a aprender com ele e até aqui infelizmente ele já aprendou com vc o que é uma amizade não correspondida.  De sua mãe não vou falar porque ela já não está mais com vcs e agora já é outro assunto.
Mas se vc acha que seu irmão é "menor", que ele tem pouco valor, que não fez grande coisa na vida, veja isso: ele tem uma mulher e um filho adoráveis.  Eles se amam muito e vivem imensamente felizes. Levam uma vida boa e estão satisfeitos.  Se vc acha que seu irmão é apenas um professorzinho do ensino médio, saiba que ele revolucionou as duas escolas em que trabalha e que é adorado por todos - alunos, pais, colegas, diretores.  Ele é um profissional hiper realizado, só que não liga para dinheiro ou para títulos.  Ele está mais interessado no processo das coisas do que no resultado que pode conseguir com elas. Se vai dar certo é outra história, ele gosta é de fazer.  Ele nunca ligou para ser popular, e no entanto sempre teve a admiração dos que o conhecem.  Vc pode ser popular, mas ele tem prestígio.   
Então, para resumir, é o seguinte: enquanto vc não se despojar dessas bobagens que fazem com que vc não perceba os verdadeiros afetos, quem se importa com vc realmente, quem te dá históriareal de vida, e não apenas suposto reconhecimento do seu "valor", outras situações como esta acontecerão e sempre será a mesma coisa: vc tomará a decisão que parece ser a melhor no momento para, mais tarde, perceber que confundiu tudo. 
Pense nisso."  

p.s. Gretha Kotisc postou no Facebook: "Olá amigos, estou escrevendo um projeto em parceria com Tamasha Theatre aui de Londres e queria lançar um desafio.  Imagino que vc está num momento muito difícil da sua vida, que o faz questionar qual direção tomar, e DEUS te nvia uma carta.  E eu pergunto, o que você gostaria de ouvir sobre si mesmo? Qual o conteúdo da carta que gostariam de receber? Aos que quiserem dividir comigo seus pensamentos e experiências enviem um email para g.vianadefigueiredo1@arts.ac.uk."  Foi o que eu fiz, a partir de uma fabulação minha, uma personagem que inventei.