segunda-feira, março 18, 2013

Dez séculos depois, um Bento e um Francisco

Curioso que nessa miríade de análises e comentários que vieram à profusão a respeito da renúncia de Bento XVI e da escolha do novo Papa ninguém tenha se referido a algo que a mim pareceu muito claro logo depois do seu anúncio e do nome que resoveu adotar - e olhe que não sou nenhuma teóloga ou expert na Igreja Católica. 
O fato é que para a Igreja o Século V e o XI ficaram conhecidos como os séculos dos santos, santos que lhe determinaram novos rumos e que são, até hoje, cultuados por sua obra e pelo exemplo que deixaram.   A instituição da Igreja, tanto no Século V quanto depois, no Século XI, estava moribunda, afundada em vergonha e corrupção, muitíssimo distante do legado de Cristo e de sua doutrina.  Não resisitiria muito mais se naquela direção prosseguisse.  Quis o destino, ou a Providência Divina para aqueles que assim chamam o acaso, que viessem homens que a recuperaram e que, ao mostrarem ao mundo que era então possível resgatar seu sentido de honra, deram a doutrina cristã uma nova lufada de vigor.
São Bento, homem de movimento segundo Caetano Veloso, um italiano sábio e perspicaz, não desdenhou o mal, formulou e praticou uma oração exorcista até hoje muito popular.  A despeito das reiteradas negativas da Igreja, fundou sua ordem.  Os beneditinos, educadores e missionários, contra a vontade do poder então dominante saíram mundo afora.  Destemidos, professavam uma doutrina ao mesmo tempo rigorosa com o que reputavam malsão e amorosa com as pessoas.  São Bento resistiu a todo tipo de achaque e ataque a sua pessoa.  É conhecida a passagem em que um corvou salvou-lhe a vida ao morrer após comer a comida envenenada a ele destinada.
São Francisco, um italiano nobre e rico, despojou-se de tudo e fundou a ordem dos franciscanos, da mesma forma contra a vontade do poder dominante.  Francisco era altamente místico e  até hoje é  um ícone do misticismo cristão.  Conversava com os animais, admirava a natureza, e dizem que em seus momentos de êxtase exclamava aos passantes palavras de amor.  É tamanha a importância de São Francisco para a doutrina cristã que há quem o chame de o "Segundo Cristo".  Uma curiosidade: Santo Antonio, religioso português muito amigo de Francisco, à sua ordem serviu como pároco da cidade de Pádua, na Itália.  Antonio era tão bondoso e fazia tantas curas que já em vida era chamado de "il santo" por seus paroquianos, e não por Padre Antonio.
Dez séculos depois (ou cinco mais cinco) a história se repete: atolada em episódios escabrosos como os dos padres pedófilos e escândalo do Banco do Vaticano, um papa antevê a necessidade de uma atuação rigorosa e pede inspiração a São Bento.  Alquebrado por problemas de saúde, pelo dito 'fogo amigo',  e sem disposição para enfrentar a situação árdua, Bento XVI renuncia num ato de humildade, e chega o jesuíta Francisco I com a missão de enfrentar o que deve ser enfrentado e de renovar o que deve ser renovado.  
Para mim, a prova que é possível a renovação é o fato de ser a fé que sustenta a Igreja e que há séculos a vem sustentando.  E a fé cristã se funda na ideia de renovação que a ressurreição de Cristo encerra (como dizia São Paulo, "se Cristo não tivesse ressuscitado, vã seria a nossa fé").  É dizer: se não se acreditar na renovação, nada faz muito sentido.  E todos nós sabemos, cristãos ou não,  que 'ressucitamos' muitas vezes na vida, que muitas vezes a temos que renovar.   
Penso às vezes nos santos como pessoas comuns e gosto deles pela santidade adquirida, por tanta renúncia em suas vidas e tudo de transformação que trouxeram ao mundo com ousadia e paixão.  Ontem, ao ouvir na oração de São Francisco a passagem que diz que é dando que se recebe, calculei que esse singelo aforisma talvez resuma o maior desafio de Francisco I - fazer com que a Igreja saiba dar mais do que receber, saiba compreender mais do que ser compreendida, saiba amar mais do que ser amada. Depois pensei que se tivesse sido escolhido um brasileiro viria a calhar adotar o nome de Antonio - porque também aí, dez séculos depois, a história se repetiria.


p.s. quem sabe um dia uma Papisa é eleita e vem a escolher o nome de Teresa em homenagem a Santa Teresa D'Ávila, fundadora da Ordem das Carmelitas e grande mística e revolucionária? Os revolucionários de ontem, as ditas pedras angulares, têm se revelado, numa manobra da ironia do destino, o sustento de hoje.