segunda-feira, janeiro 16, 2017

Especula-se

Acordo com o despertador no sábado porque temia perder a hora e o compromisso estava agendado há dias.  Verifico se está tudo certo: as cinco vias impressas do contrato de locação, cujo conteúdo fora discutido na véspera com o interessado, meu primo, cinco envelopes, papel branco extra, caneta, caderneta de anotação e etc.  A isso se somava a roupa que iria usar depois num almoço de família que incluía piscina no clube, o que fazia com que também o biquíni, o filtro solar, o chinelo, a canga e etc estivessem separados.  Aparato feito, casa arrumada, pego meu carro e, rumo ao destino, procuro estacionar em Copacabana.  Ai de mim.   Tento contato com a pessoa com quem tenho o compromisso marcado, em vão.  Uma, duas, três ligações não atendidas, até que recebo um zap dizendo "vi que vc ligou", "mas me esqueci do compromisso, foi agendado faz tempo, na segunda-feira anterior" (curioso  que do dia em que o marcamos se lembrava), justificando a falta "porque não nos havíamos falado mais" (precisava?) e, finalmente, que estava passando por problemas de família e que não poderia mais alugar o apartamento. Ora, desistiu do negócio em que tanto insistira? Fui rápida em redarguir que, ao menos, deveria ter me avisado - um mero zap bastava - e que não é certo ocupar pessoas à toa.  Arrematei o "diálogo" dizendo que lhe faltava seriedade na vida.  Uma frase me lavou a alma e o trabalho, tempo e material desperdiçados: "falta de s e r i e d a d e".
Uma especuladora.  Aliás, mais uma, porque percebo o verbo especular sendo amiúde empregado ultimamente.  Não mais apenas em jogos de azar ou em outras apostas em que a roda da fortuna gira. Não, agora especular é mais amplo: da locação que já de antemão não se sabe possível, ou ao menos bastante incerta, ao relacionamento que se pretende amoroso derivado de uma fila que ora anda, ora desanda, mas que, sejamos francos, é fruto do exercício da mais pura especulação.  Deve haver algum charme na pergunta "vai que cola?" e mais ainda na resposta - porém não alcanço como se conjuga esse verbo impunemente envolvendo outras pessoas e negócios sérios. 
Para especular, e desde que me entendo por gente, é bom lembrar que existe um apontador do jogo do bicho a cada duas quadras no Rio de Janeiro e inúmeras lotéricas vendendo o sonho de consumo existencial de cada ser no planeta, até dos que não jogam, que é, sempre foi, ganhar uma aposta, ficar rico e nunca mais ter que trabalhar. Agora entendo bem o porquê da perenidade dos jogos de azar.
Há mais especuladores do que especulação nessa vida. 

Um comentário:

J Alexandre Sartorelli disse...

O ritmo está muito bom. Ótima a condução até a conclusão