terça-feira, outubro 07, 2014

o bolsa bolsa

Estive na Inglaterra em 1982 para estudar inglês.  Fiquei dois meses numa pequena cidade chamada Bournemouth, frequentei uma boa escola e me hospedei com uma família inglesa no bucólico bairro de Talbot Woods.  Até hoje me lembro do endereço - 6, Dulsie Road - e da casa que era a mais modesta da melhor rua do melhor bairro da cidade.  Havia uma crise na Inglaterra punk no início dos 80's. Emergentes, meus landlords eram jovens, faziam um super esforço para melhorar de vida e apenas por essa razão recebiam estudantes em casa - quem conhece um pouco os ingleses sabe que não são lá muito chegados a hóspedes. Minha landlady era uma pessoa legal, nem tanto meu landlord, e me apaixonei pela filha deles, uma doce e educada menina loura de quatro anos de idade e com cabelos compridos até o meio das costas. Nicholas Michelle era seu nome, mas tomei a liberdade de chamá-la "beautiful" como seus pais a chamavam.  Era muito fofa.  Eu tinha 19 anos e a entretinha brincando de boneca e lendo histórias, mesmo que com o sotaque que tentava sem muito sucesso aprimorar.  Para ir a escola eu andava 20 minutos a pé, porque num frio de 20 graus negativos não dá para ficar parado esperando o ônibus. Era tão frio, mas tão frio, que antes desse gelo todo só o inverno de 1968.  Há pessoas que até hoje se lembram do gélido inverno europeu de 82.  Um dia, voltando da escola, num friaca de doer os ossos, vi uma fila comprida na agência de correios que terminava na rua. Estranhou-me o fato de na fila só haver mulheres, todas muito bem vestidas. Quando cheguei em casa, minha landlady se queixou justamente do frio que sentira na fila dos correios.  Que coincidência! Soube então o porquê desse flagelo todo: era o dia do pagamento de um benefício que todo mês as mulheres com filhos recebiam do Estado Britânico. Bastava ter um filho, não importava a classe social.  O valor do benefício era o mesmo para todas. A razão do pagamento do benefício para uma terceiramundista como eu era bizarra.  Segundo ela, as mulheres britânicas não sabiam muito bem quanto os seus maridos ganhavam, de forma que aquele dinheiro era para elas próprias ou para seus filhos, como decidissem. Poderiam gastar no que desejassem.  Como eu havia comprado uma bolsa naquele mesmo dia no valor aproximado do benefício, perguntei-lhe se com ele poderia ter comprado... uma bolsa. "Sim, claro!", respondeu-me taxativa.  Poderia comprar o que bem entendesse.
Pensei no 'bolsa bolsa' dia desses e me ocorreu pensar por que será que mais de 30 anos depois alguém reclama de se ter instituído o bolsa família para os pobres no Brasil, um país que, ainda hoje, persiste rico para os ricos e pobre para os pobres. 

4 comentários:

Poluição e despoluição disse...

Denise, MMe Tatcher era visceralmente contra e brigou - com muitas razões - para acabar com isso...

Maria Luísa Prates disse...

Muito bom, Denise. Não sabia que escrevia tão bem! O nível percebi logo. Vou estar acompanhando. Parabéns!

Denise S. disse...

Claudio, não creio que Margareth Thatcher tenha acabado com os benefício das inglesas. Uma mulher brigar com eleitoras? Bem, de toda forma, há anos que o partido trabalhista impera no Reino Unido.

Denise S. disse...

Maria Luísa, fico feliz que tenha gostado do meu 'canto'. Seja bem-vinda volte sempre!