Não basta ser vagaba, tem que ser com estilo. É das mais deslavadas mentiras uma mulher dizer-se liberada ou vadia ou o que seja, porque são raras as que conseguem chegar no limite da perfeição, na radicalidade do conceito da vagabunda perfeita. E este é o sonho de muita mulher, sejamos francos.
Dizem alguns, até, que uma vagaba ‘a vera’ tem um espírito de vagabunda, algo que precede a sua militância.
Eu a conheci bem cedo e foi por acaso. Não era especialmente bonita, mas bonitinha. Com uma harmonia de traços e um bom corpo, sabia quem era, não tinha a ousadia de se sentir mais do que seus atributos lhe conferiam em termos físicos, como tampouco queria ser mais bonita. Era o que era e ponto. E nem precisava de mais beleza, pois tinha a perfeita noção de seu magnetismo e de sua ascendência sobre os homens.
Era séria, não de muitos sorrisos. Devia comunicar, com esta pseudo-seriedade, que se resguardava para seus eleitos - e talvez fosse isso mesmo. Vestia-se simplesmente, não havia produções maiores. Com os vestidos da época, ‘chemisiers’ que hoje vestiriam a mais pudica das donas de casa, não chamava a atenção. Mais uma de suas sutilezas furta-cor.
O fato é que era uma liberada mesmo. Como um capitalista que quer maximizar seus lucros, ela queria mais. Mais homens, mais amantes (de preferência provedores), mais sedução. Mais diversão, mais novidade. A bisavó do atual conceito de diversidade. E os abandonava, um após o outro, após o outro, após o outro. Antes que o homem pudesse imaginar um rompimento, ela o anunciava no auge da paixão e do apego. It’s over, c’est fini, finito. Punto e basta.
Eles ficavam loucos. Um deles, artista plástico rico e desajustado, cobriu-a, literalmente, de dinheiro, ela morta de rir nua deitada na cama da mãe dele, uma mansão em Roma. Pois nem dinheiro e nem jóias a seguraram. Dias depois, ele a vê, com seu vestidinho de sempre, descer uma daquelas escadarias comuns em cidades italianas feliz da vida com seu novo par. Ele enlouquece, a procura mil vezes em vão, promete-lhe mundos e fundos, ela nada. O pobre homem se consome, nunca mais pinta um quadro e é por isto que o filme se chama “Telas Vazias”, uma produção bem antiga de Carlo Ponti que eu, com os olhos estatelados na micro telinha da TV preto e branco do meu quarto (era então uma grande coisa ter TV no quarto), assisti, com onze anos de idade, na Sessão Coruja de um sábado.
Se eu tivesse talento para ser uma vagaba, teria recebido, bem precocemente, o roteiro da dita perfeitíssima das mãos de ninguém menos do que Carlo Ponti.
Ele morreu outro dia e me lembrei deste filme, do qual, na verdade, nunca esqueci.