Será que ainda teremos? 129 pessoas mortas e outras tantas feridas foi quase como morrer de susto. Aliás, entendi o que se sente quando se diz ter quase morrido de susto. Como alguém pode invocar o nome de Deus para uma matança como esta é algo que escapa à racionalidade até dos bem perversos, na presunção de que a perversão, como tudo na vida, tem lá a sua previsibilidade. O que me choca no terrorismo é a exportação do conflito para quem não é parte dele, para quem não resolveu lutar, para quem, em suma, não tem nada a ver com o assunto.
Não que não sejamos globais, não que ignoremos o efeito borboleta, a teoria do caos, longe disso. Faz tempo que sabemos que somos um, que a nave é por muitos compartilhada, mas também que não é igualmente compartilhada. Não somos iguais, tampouco a democracia é ditadura da maioria, e nada disso é novidade. Sequer inova um ataque terrorista de grandes proporções no primeiro mundo ocidental.
O inédito é que aconteceu em...Paris. E com a crueldade típica do terrorismo de fazer de vítimas pessoas normais, como comensais à mesa e torcedores reunidos no estádio. A sensação de "eu podia estar lá" é comum, porém não admira: todo mundo viaja o tempo todo para algum lugar.
A novidade é que aconteceu na Paris que não é mais a mesma Paris - e talvez por isso mesmo o parisiense tenha sido tão atingido. Nesta hora em que se olha para dentro, certamente se perguntaram: no quê nos transformamos? Onde estamos, afinal? É um pouco como se sentir hóspede na própria casa ou como não se reconhecer ao se olhar no espelho.
Faz tempo que a senhora elegante perdeu a elegância. Aliás, ver o que é típico parisiense é quase como fazer um safári nas savanas e topar casualmente com uma onça depois de horas. A senhora mudou, perdeu em charme, em originalidade, em romantismo. Não é mais bom abrigo para os apaixonados. Não serve mais de cenário a uma lua de mel ou a encontros amorosos, como fez no passado.
Paris não é mais a mesma. E desde o acontecido me dei conta que também eu não me sinto mais a mesma sem a Paris que, um dia, tive a sorte de experimentar.